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'Minha maior mudança é o constante aprendizado', diz Kamau sobre seu lugar na cena do rap nacional

Em entrevista à Gazeta, o rapper fala sobre sua conexão com o skate, o começo da trajetória na música e o processo de produção do seu último álbum "Documentário"

Natália Brito

29/02/2024 às 13:00

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Kamau fala sobre novo álbum

Kamau fala sobre novo álbum | Thomas Teixeira

O rapper e compositor Kamau, que nasceu na zona norte de São Paulo, iniciou sua carreira em 1997, e é referência na construção da cena do rap nacional. Neste ano, o artista lançou o álbum "Documentário".

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Em entrevista à Gazeta , Kamau fala sobre o processo de criação do último lançamento que compila 13 músicas, com 24 barras, e pouco mais de um minuto cada, e que o próprio chama de sequência. "Cada vez que falam que é um álbum eu fico meio assim, não acho que é um álbum, mas entendo chamarem assim. Para mim é uma sequência".

O rapper relembra sua trajetória e a importância fundamental que ser um skatista tem nos acessos que ele teve, e no modo que enxerga os processos de produção na música. "O skate é uma atividade determinante na minha vida, veio antes do rap e é fundamental."

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Kamau também fala como os números foram determinantes para que após o lançamento de "DoisTrês", primeira música de "Documentário", ele decidisse a data de gravação da música - no dia 23 de dezembro - e como todos os outros lançamentos que se seguiram foram pensados a partir dessa métrica. 

Kamau fala sobre álbumKamau também é skatista e fala sobre essa relação fundamental/Thomas Teixeira


Você tem uma relação forte com o skate, como isso aconteceu? 

Acho até engraçado porque as pessoas não me relacionam ao skate, me veem como alguém que tem uma ligação com o skate. É difícil para mim ser apenas uma relação, o skate foi algo que me moldou como pessoa. Comecei a andar de skate aos 12 anos, e tudo que aconteceu na minha vida depois disso tem a ver com skate diretamente. Entrar no rap foi por conta de uma pessoa que o skate me apresentou, ter ido estudar no interior também, e o meu jeito de fazer várias coisas vem do que aprendi no skate. O skate é uma atividade determinante na minha vida, veio antes do rap e é fundamental.

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A música já estava presente na sua vida nessa época?

Ainda era apenas um ouvinte, mas aos 12 anos conheci o Robson - o Dj Ajamu -, irmão mais novo do Kl Jay. Comecei a frequentar a casa dele e ali vi o rap acontecendo, com os ensaios do Racionais no começo, o Kl Jay chegando em casa feliz porque tinham dado o nome da coletânea “Consciência Black”, os discos que ele trazia, as performances de campeonato de DJ, de MC, ali em 89. Analisando, temos seis anos de diferença, mas a relação sempre foi muito próxima. Nunca foi uma distância grande e de geração, sempre trocamos ideias praticamente de igual. Eu recebia bastante, logicamente, porque ele tinha mais conhecimento, mas sempre foi uma troca de ideias, de trazer ideias de outros lugares e apresentar para ele. O rap que conhecia através do skate levava para casa dele de alguma forma, ele me trazia outras coisas que eu levava para o meu mundo também. A minha relação ainda era de ouvinte, mas era um de ouvinte curioso, de querer saber mais, de ler encartes, de conversar sobre, de apresentar para outras pessoas. Não sei se eu tinha uma referência musical antes disso. Claro que ouvia música e tinha algumas coisas de gosto assim, mas para você ter uma ideia, não lembro de nada antes disso, antes do rap.

Você começou cedo, com 12 anos. Como foi esse início?

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Não acho tão cedo. Nos Estados Unidos, todo mundo que faz rap, a gente ouve falar que a pessoa escrevia desde os 8 anos, rimava na escola. A MC Sofia com seis anos, antes de escrever, ela já compunha e pedia pra mãe dela escrever. Nos Estados Unidos é meio assim, aos 12 anos as pessoas já estão formando grupos. O Pete Rock, se não me engano, com 12 anos, ele era DJ de um programa de rádio. Lá tem esse contexto que já está impregnado no que eles são. Aqui nesse caso, 12 anos é um pouco mais tarde no geral, mas para o rap, para mim, e para o skate foi perfeito.

Você já transitou por muitos lugares entre o skate, rap e até algumas participações como apresentador Yo! MTV Raps. De onde vem essa versatilidade?

Vem do skate também, isso de se adaptar nos lugares, de procurar possibilidades. No skate, a gente procura a possibilidade de dar uma manobra que a gente já sabe, ou de aprender uma manobra nova. Tento trazer uma manobra que já sei, do meu conhecimento, do meu jeito de fazer, da minha música, ou tento aprender uma manobra nova.

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E como foi a participação no Yo! MTV Raps?

É louco que uma passagem rápida seja tão marcante a ponto de as pessoas acharem que eu tive realmente uma estadia mais longa. Nunca fui apresentador do Yo!, fiz o teste para ser apresentador, mas a TV queria o Thaíde. A Tati [Ivanovici] falou assim: "Se você quiser fazer qualquer matéria, a gente vê o que acontece". Na outra semana tinha o show do Sabotage e falei que queria entrevistar ele. Nunca tinha entrevistado ninguém. Dei a ideia e ela, por algum motivo, achou que eu era capaz de fazer aquilo e deu aval. E aí rolou. Dessa matéria vieram convites para outras matérias, apresentei uns dois, três programas do Yo! com o Consequência, meu grupo na época. Mas é praticamente isso, só que é tão marcante para algumas pessoas que parece que por um período fui apresentador, é muito maluco isso.

Como é se dispor a fazer coisas diferentes do que é comum pra você?

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Duas coisas são muito normais e parte do meu aprendizado: a minha vontade de aprender e a vontade de compartilhar o que aprendi. Não é para estar no holofote, não é para estar acima de alguma coisa, é pela vontade de compartilhar o que aprendi e falar sobre uma coisa que gosto bastante.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Seu último lançamento foi o álbum “Documentário“, que foi o compilado de uma sequência de lançamentos ao longo de 2023. Como começou a ideia do álbum?

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Comecei a “DoisTrês” aleatoriamente por uma vontade, não por cobrança, porque eu tento não ceder a cobranças externas para não forçar a minha música. E no dia 21 de dezembro de 2022, todo mundo começou a me perguntar  se eu não ia lançar alguma música, por causa da minha relação com o número 21, e com a data de 21/12, isso começou lá em 2009. Teve alguns anos que não fiz nada, mas nesse ano retrasado pensei em fazer alguma coisa, lembrei de uma parada que um rapper chamado Skills fazia, tipo de ser uma retrospectiva do ano. Pensei em fazer um resumo do que foi meu ano. Por isso veio a primeira palavra da música que é “resumo da ópera”. Pensando nisso, no dia 21, comecei a escrever e terminei no mesmo dia. Ao invés de fazer o formato normal de escrita do rap que é 16 barras, fiz um pouco maior. Falei, "acho que é pouca coisa que quero dizer", fiz 24 barras, e comecei a pensar nisso tudo muito rápido. Primeiro pensei em lançar só no SoundCloud, depois em lançar só no YouTube, e por último em lançar oficialmente nas plataformas. Lembrei do prazo e perguntei para uma amiga minha que trabalhava na distribuidora e ela falou que dava para lançar em uma semana, só que tinha que entregar até uma data. Aí eu falei, vou lançar.

E quando você lançou oficialmente?

Isso tudo começou no dia 21, e decidi que ia gravar no dia 23, porque o nome da música é “DoisTrês”. Fui gravar a música no dia 23 porque, para mim, era uma obrigação por ter esse nome, já tinha feito o beat, e gravei. Depois que resolvi tudo isso, pensei em lançar no dia 6 de janeiro, queria que tivesse a ver com os números dois três, era o ano de 2023, eu gravei no dia 23 de dezembro, dia 6 de janeiro é Dia de Reis, duas vezes três é seis. Quando perguntam como a matemática faz parte da minha vida, eu falo, ‘às vezes é isso aí’. Alguns amigos me ajudaram com a parte de vídeo e outras coisas, e a gente conseguiu lançar. 

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Depois do lançamento de “DoisTrês” você começou o processo do álbum?

A música teve uma repercussão legal até, e um primo meu comentou que parecia a introdução de alguma coisa. Falei que não era, mas pensei que podia ser. A partir disso comecei a formular coisas na cabeça, pensei o prefixo do que tem a ver com o número 12, e fiquei procurando palavras que tivessem 12 letras que tivessem a ver com dodeca. Depois fiquei só no D. Pesquisei no Google palavras que começam com D e tivessem 12 letras, e vi uma palavra que tinha a ver com documento e surgiu ‘documentário’. Falei com o [Alexandre] Urch, com o Thomas e com o Raynan Sanchez, que fez a caligrafia de todas as capas, se eu fizesse uma música por mês eles estavam comigo, falei que não ia ter dinheiro, e eles aceitaram.

Kamau fala sobre álbumKamau lançou uma sequência de músicas ao longo de 2023 que resultaram em "Documentário"/Thomas Teixeira

Como foi encaixar uma ideia na outra?

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Uma música termina quando a outra começa, no dia 6 lancei “DoisTrês”, no dia 9 já estava pronta a segunda música que é “Ourives”. Depois disso já corria pra fazer o beat ou a letra das músicas, uma coisa casava com a outra. Comecei a pensar se ia dar pra fazer uma por mês, mas não queria falar para as pessoas para não ter uma cobrança. A cobrança era minha e das pessoas que estavam fazendo. Mas na quinta música alguém já percebeu o que ia ser. No meio do processo fui pra Nova York com “Nós” e “Trilha” prontas, e nessa parte o processo travou. Comecei a duvidar de mim mesmo, atrasaram algumas coisas, como os vídeos, mas decidi que pelo menos as músicas, que dependia de mim, tinha que fazer e lançar tudo em 2023 ainda. Na última semana de novembro lancei “Área” e faltavam quatro músicas, a partir daí eu lancei uma por semana. Depois disso decidi lançar os instrumentais também, e até por isso que a música “Documentário” só saiu esse ano, pra fechar tudo da melhor maneira.

Esse processo foi muito diferente do que você lançou anteriormente?

Até disso eu falo na letra, não lembro qual delas. Mas não é uma coisa inédita, o Rashid já lançou um disco por partes, o C4bal e o Rincon também já lançaram uma música por semana, não são coisas que inventei, mas fiz da minha maneira. A maior motivação para fazer isso era aprender, cada coisa que aprendia colocava no processo de alguma forma, para mim foi um aprendizado. Mas fora o fato de ter essa periodicidade, não acho que tenha sido muito diferente do que vinha fazendo. O maior desafio foi continuar algo que comecei na pandemia de fazer tudo sozinho. Mas também vem a parte de ser produtor, de saber o que você consegue e sabe fazer, e o que é melhor você chamar uma outra pessoa para ter um resultado melhor. A parte de mixagem não me atrevi, porque queria um resultado ótimo para minha música.

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Você está satisfeito com o resultado do álbum?

Cada vez que falam que é um álbum eu fico meio assim, não acho que é um álbum, mas entendo chamarem assim. Pra mim é uma sequência. Quando descobriram que era uma sequência perguntaram se eu ia colocar tudo em uma playlist, para algumas pessoas é só uma playlist. É muito doido também que uma playlist com um nome e uma capa vira um álbum, sei o quanto tem a ver uma coisa com a outra e isso vem do conceito de álbum. Estou muito satisfeito com o que saiu sim, nunca faço música pela pressão, se é uma música que tenho o controle, só faço quando ela tá boa para ir ao mundo.

Como você se enxerga nesse momento da cena do rap depois de tantos anos de carreira?

Não acho que necessariamente eu me encaixe, algumas pessoas dizem que sou necessário, mas talvez por já estar inserido. Pode ser que eu caiba, mas não porque tentei me encaixar. E também entender o que acontece quando não apareço tanto para as pessoas, e não me desesperar para aparecer, continuar fazendo minha parada.

E como você vê as mudanças do rap ao longo desse tempo?

A mudança é bem positiva no sentido de profissionalismo e organização, até no alcance. Mas a mudança negativa é que onde tem muito dinheiro tem muito abutre, tem muita coisa sendo sugada e diluída e legitimada em nome do rap, falta esse tato. Tento sempre manter a raiz conectada com quem me ensinou, com quem aprendeu comigo e me agradece pelo que já fiz. Mas também não me acomodo na reputação. Estou sempre no estúdio porque quero aprender, criar, trazer novas pessoas, meu papel é de continuar propagando e a minha maior mudança é o constante aprendizado.

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