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EDUCAÇÃO PÚBLICA

Câmara de SP discute projeto que autoriza 3º setor a gerir escolas

Proposta da vereadora Cris Monteiro (Novo) justifica a transferência de responsabilidade como forma de melhorar a qualidade do ensino; entenda

Carlos Petrocilo e Isabela Palhares, da Folhapress

Publicado em 20/06/2022 às 21:18

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Cris Monteiro (Novo), em entrevista à Gazeta na Câmara de SP / Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo

A Câmara Municipal de São Paulo discute um projeto de lei que autoriza a prefeitura a entregar a gestão de suas escolas municipais de ensino fundamental e médio para organizações sociais sem fins lucrativos, as OSs.

A proposta apresentada pela vereadora Cris Monteiro (Novo) justifica a transferência de responsabilidade como forma de melhorar a qualidade do ensino, com prioridade para escolas em bairros mais pobres e com piores resultados.

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As organizações contratadas teriam liberdade para definir currículo, projeto pedagógico e metodologias de ensino nas unidades sob sua gestão. Ganhariam autonomia também para montar o "time de professores, diretores, vice-diretores e secretário escolar", podendo contratar pessoas de fora da rede de ensino, sem concurso público.

"Não significa que não vamos investir na formação dos professores, que não terá concurso público. Este projeto não é bala de prata nem panaceia para solucionar os problemas da educação municipal, mas pode ser um dos caminhos", diz a vereadora à reportagem.

Críticos à proposta apontam risco de privatização do ensino municipal e do aumento da desigualdade entre escolas. Dizem que o projeto avança na Câmara de forma apressada, sem um debate sobre a eficácia pedagógica, e alertam para o risco de casos de desvio de recursos e favorecimento das entidades privadas.

Organizações sociais já atuam na educação infantil do município. A prefeitura recorreu ao modelo de creches terceirizadas por não atender a demanda de crianças de 0 a 3 anos em unidades próprias.

Suspeitas envolvendo esses contratos motivaram operações da Polícia Civil, em 2019, e da Polícia Federal, em janeiro de 2021, ambas durante a gestão Bruno Covas (PSDB).

Segundo as investigações, entidades responsáveis pelas escolas e escritórios de contabilidade utilizavam empresas de fachada para emitir notas frias ou superfaturadas, desviando repasses municipais. O caso ficou conhecido como "máfia das creches".

No ano passado, o jornal Folha de S.Paulo revelou que uma das firmas investigadas repassou cerca de R$ 31 mil para o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a uma empresa da família dele na época em que ele era vereador.

Nunes nega irregularidades nos repasses. O Ministério Público ainda não concluiu o inquérito que apura o caso.

Questionada sobre as denúncias que recaem sobre os contratos com creches, a vereadora diz que "não dá para condenar o modelo por conta de alguns maus exemplos".

Em maio, a bancada do PSOL obstruiu uma sessão na qual a proposta seria votada, sob argumento de que ela não havia passado por comissões temáticas. No dia 9, o texto chegou à Comissão de Educação, onde o relator, Celso Giannazi, diz que convocará ao menos duas audiências públicas para ampliar o debate.

Ainda assim, o projeto pode ir à votação nas próximas semanas. Pelo regimento da Casa, os textos podem ir a plenário desde que tenham sido aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa), o que ocorreu em 18 de abril.

O presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), planeja incluir o texto de Monteiro em sessões extras destinadas a discutir projetos polêmicos. "Esse projeto tem a simpatia do prefeito, e há um movimento para passá-lo de forma atabalhoada", diz Giannazi.

Procurado pela reportagem, o prefeito Nunes disse que não tem conhecimento da proposta. Já a vereadora diz que já apresentou o modelo para os secretários da Educação, Fernando Padula, da Casa Civil, Fabricio Cobra Arbes, e que "as conversas com o Executivo são muito boas".

Em nota, a prefeitura diz entender que "todas as sugestões para aprimorar os serviços e as políticas públicas são bem-vindas", mas vai "aguardar a evolução dos debates no Legislativo" para se manifestar.

Debate

Para Fernando Cássio, professor da UFABC e integrante da Repu (Rede Escola Pública e Universidade), a proposta se baseia em uma "ideia simplória" de que a gestão empresarial ou terceirizada funciona melhor do que a gestão pública.

"Indicadores de ensino ruins são resultado da falta de um investimento decente em educação, falta de professores, salários baixos, falta de assistência social aos alunos. Resolver essas questões é a solução para um sistema educacional eficiente, não uma gestão empresarial", diz.

Já Fernando Schüler, professor de políticas públicas do Insper, defende que o Brasil avançou em áreas da saúde e da cultura com a gestão compartilhada. Ele pondera, no entanto, que a regulamentação precisa "ser bem feita, e o governo deve monitorar a organização".

Nina Ranieri, professora da Faculdade de Direito da USP, diz que faltam mecanismos de fiscalização para garantir que essas escolas tenham a mesma qualidade e princípios das demais, respeitando o "caráter democrático" da educação. "Não há nenhuma informação sobre quais serão os limites e critérios para a escolha dos professores, qual formação será exigida", diz.

Uma auditoria do TCM (Tribunal de Contas do Município), em 2021, identificou que 72% das conveniadas não tinham acessibilidade e 58% não tinham áreas internas de recreação para as crianças –percentuais superiores aos da rede direta.

Professores das creches conveniadas também têm jornadas consideravelmente maiores. Eles trabalham, em média, 40 horas semanais –ante 30 horas dos que atuam na rede direta. Também há diferença nos rendimentos, com maior remuneração para quem atua nas unidades próprias do município.
*
ENTENDA A PROPOSTA

O que muda:

Organizações sociais sem fins lucrativos poderão ser contratadas para gerir escolas municipais de ensino fundamental e médio; hoje a atuação delas no município só acontece na educação infantil

O que as OSs poderão fazer:
Definir a matriz curricular, metodologia de ensino, material pedagógico e a estrutura escolar que querem utilizar compor o quadro de professores, diretores e outros cargos; ou seja, poderão contratar pessoas de fora da rede de ensino, sem concurso público

Onde atuarão:
Prioritariamente em escolas em bairros com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e com menor rendimento em avaliações educacionais

Custo:
A oferta do ensino nessas unidades continuará sendo pública e gratuita

Tramitação na Câmara Municipal:
- Texto apresentado pela vereadora Cris Monteiro (Novo)
- Já aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa), o que o credencia para ser discutido no plenário
- Pode ir ao plenário nas próximas semanas, em sessão destinada a projetos polêmicos, como articulado pelo presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil)

Raio-x da rede municipal de São Paulo
- 1,03 milhão de matrículas
- 577,6 mil alunos na educação infantil
- 419,1 mil alunos no ensino fundamental e médio
- Cerca de 80 mil professores
- Cerca de 560 escolas de ensino fundamental e médio

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