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Padre Júlio Lancelotti exibe autorretrato de Elifas Andreato | Bruno Hoffmann
A missa de sétimo dia de Elifas Andreato reuniu mais de uma centena de familiares, amigos e admiradores na Capela da Universidade São Judas Tadeu, na Mooca, zona leste da Capital, neste domingo. O artista plástico morreu na última terça (29), aos 76 anos, vítima de complicações de um ataque cardíaco.
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Comandada pelo padre Júlio Lancelotti, a celebração religiosa relembrou a arte engajada de Elifas e a sua luta arriscada contra a ditadura militar (1964-1985) e pelos Direitos Humanos. “Tortura nunca mais”, bradou o padre em determinado momento, para aplausos dos presentes.
Júlio Lancelotti mostrou uma obra que Elifas fez especialmente para o religioso, em referência à luta pelos Direitos Humanos, e exibiu também um autorretrato de Elifas. Ele lembrou que ambos estiveram juntos há poucas semanas, em um café da manhã com moradores de rua atendidos pelo padre Júlio.
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Chamada para falar no altar, a filha de Elifas, a artista plástica Laura Andreato, destacou a importância do paranaense na vida de tanta gente. “A fé do meu pai sempre foi a solidariedade”, disse, ladeada pelo irmão, o também filho do artista e produtor cultural Bento Andreato.
Laura Andreato, filha de Elifas, de frente ao autorretrato do pai. Foto: Bruno Hoffmann
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Na cerimônia havia nomes de destaque na cultura nacional, como o compositor Paulinho da Viola e a desenhista Laerte Coutinho, além dos deputados federais Orlando Silva (PC do B) e Paulo Teixeira (PT).
Em entrevista à Gazeta, Paulinho da Viola se disse orgulhoso por ter sido o primeiro músico a ter uma capa feita por Elifas, em 1971, em um álbum que levava seu nome. Dois anos antes, portanto, de Nervos de Aço, a antológica capa feita por Elifas em que o sambista aparece com grossas lágrimas e um ramalhete de flores à mão, clamando por algo aos céus.
“Sempre foi uma honra ter o primeiro trabalho do Elifas em uma capa de disco ter sido em um disco meu. Era uma foto, feita pela Iolanda Huzak [fotógrafa e ex-esposa de Elifas], e tinha um desenho dele. Logo depois fizemos vários trabalhos, em vinil e em CD”, disse.
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“Foi uma honra conhecê-lo, conviver com ele e aprender com ele. Era uma figura generosa e solidária. É uma lição que fica para todos nós”, completou o sambista, emocionado.
Laerte disse ter conhecido o artista em 1979, quando fundaram a Associação dos Artistas Gráficos e Fotógrafos, e lembrou que Elifas foi escolhido como o primeiro presidente da entidade.
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“Ele sempre foi, obviamente, a pessoa mais preocupada e mais indicada para ser um representante. O Elifas sempre trabalhou como quem representava uma população”, contou.
Ela também destacou a sua importância artística.
“O que ele deixou é inestimável. Deixou um padrão de qualidade, de busca, de preocupações absolutamente essenciais para quem produz arte, para quem produz o grafismo que povoa toda a comunicação”.
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Para o deputado federal Orlando Silva, Elifas era “a síntese da cultura brasileira”.
O parlamentar também destacou que Elifas fez uma obra contra a tortura que ficou exposta na Câmara dos Deputados, a partir de 2012, e completou que “infelizmente, hoje nós temos um presidente que é apologista da tortura”.
Já Paulo Teixeira contou do ânimo que as obras de Elifas deu a parte da população para lutar contra a ditadura, pela Anistia e a favor das Diretas Já.
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“Elifas foi uma personalidade marcante naquele período, através das artes plásticas, dos cartazes que ele fazia. Ele marcou a mente de quem lutou contra a ditadura militar. A memória dele está na história do Brasil”.
Elifas
O artista plástico Elifas Andreato morreu na última terça-feira (29), em São Paulo, após complicações cardíacas. Ele tinha 76 anos – quase todos dedicados a exaltar as belezas e a revelar as agruras do Brasil.
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Com quase 60 anos de carreira voltada para as artes, o paranaense nascido em Rolândia se tornou notório por produzir mais de 350 capas de discos surpreendentes para os artistas mais importantes da música popular nacional: Chico Buarque, Paulinho da Viola, Clementina de Jesus, Martinho da Vila, Adoniran Barbosa, Criolo, Clara Nunes, Elis Regina, Rita Lee e tantos outros.
Elifas dizia que não fazia a capa por fazer, e costumava arrumar brigas com diretores de gravadoras para produzir a arte do jeito que seu coração mandava. Ele buscava ganhar intimidade com o artista para conseguir captar melhor sua personalidade, para, aí sim, produzir a obra.
No fim dos anos 1970, por exemplo, o diretor de uma gravadora pediu um desenho para a capa do novo LP de Adoniran Barbosa. Elifas, com sensibilidade, o desenhou como um palhaço triste, com lágrimas aos olhos.
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O diretor reclamou: “Olha, Elifas, acho que o Adoniran não vai gostar nada de ser retratado desse jeito. Faça uma outra”. O desenho foi refeito de um jeito tradicional, até careta.
Poucos meses depois Adoniran viu a imagem original. E, realmente, não gostou nada… De aquela não ter sido usada na capa do disco. Ligou para o artista plástico: “Eu sou este palhaço triste, não aquele alemão que você pôs no LP”.
“Acatar a opinião do diretor da gravadora é o grande arrependimento da minha carreira”, confessou Elifas anos depois.
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Carreira
O paranaense do interior aprendeu o ofício ainda na adolescência, de forma autodidata, quando, já morando na periferia de São Paulo, foi chamado para pintar painéis decorativos para um baile na empresa em que trabalhava como torneiro mecânico. Logo chamou a atenção e conseguiu um trabalho como estagiário na Editora Abril.
Destacou-se rapidamente, e em meados da década de 1960 já comandava a arte de títulos importantes, como Manequim, Claudia, Quatro Rodas e Placar. Ao mesmo tempo, colaborava com revistas clandestinas que buscavam revelar os horrores da ditadura militar.
No início da década de 1970 começou a intensificar a produção das capas de disco para grandes artistas, quebrando o lugar-comum de boa parte das capas até então. Um dos destaques foi a feita para “Nervos de Aço”, de Paulinho da Viola, em que revela o compositor com lágrimas aos olhos e um buquê de flores. Paulinho havia acabado de se separar.
Elifas, porém, tinha sua capa preferida: a que retrata Clementina de Jesus. “É a nossa Monalisa”, disse o poeta Hermínio Bello de Carvalho.
Em 1973, engajado na luta política contra a ditadura, o artista pediu demissão do cargo de diretor de arte da Abril Cultural para integrar a equipe do recém-fundado jornal carioca Opinião. Também participou como diretor de arte de publicações paulistas, como o jornal Movimento e a revista Argumento.
Além disso, produziu cartazes para peças de teatro. Uma das mais emblemáticas – e arriscadas – foi feita em 1977 para a peça “Morte Sem Sepultura”, dirigida por Fernando Peixoto sobre a obra de Jean-Paul Sartre. A imagem feita por suas mãos retratava uma cena de tortura em um pau-de-arara. “Não podia me calar diante da barbaridade”, explicou.
No fim da década de 1990 lançou a revista Almanaque Brasil, uma publicação mensal distribuída em voos da TAM. que rodou até 2014 ininterruptamente. O “Almanaque do Elifas” tinha a missão de revelar as histórias grandes e miúdas do Brasil e dos brasileiros.
Para os funcionários da redação, a maioria formada por jovens repórteres e artistas gráficos, ele costumava contar suas histórias de forma entusiasmada. Relembrava, entre risos, como Chico Buarque poderia ficar bravo durante jogos de futebol, a elegância cotidiana de Paulinho da Viola e a saudade que tinha de Clara Nunes.
O artista também, por vezes, deixava escapar um certo dissabor pela falta de reconhecimento que o Brasil dedicava aos grandes nomes da cultura deste País. Ele incluído.
Em 2018, ele lançou Traços e Cores, livro que reúne mais de 600 reproduções de obras de sua autoria, criações das mais variadas épocas e segmentos. Era a forma, dizia, de enfim organizar suas produções para a posteridade. E ele tinha muito orgulho delas.
Morte
Após a confimação da morte, por complicações de um infarto sofrido há alguns dias, diversas personalidades da vida cultural do País se manifestaram com tristeza pelo acontecimento. Talvez o texto mais sensível tenha sido do compositor Emicida.
"Elifas Andreato descansou. Aquele que melhor ilustrou a alma brasileira, foi agora para junto das estrelas e de lá seguirá nos inspirando. Porque a vida tem que ser bonita sim e é pra isso que a arte existe! Obrigado mestre. Que a terra lhe seja leve! Do seu aluno Emicida".
Elifas Andreato deixa os filhos Bento e Laura, três netos e uma legião de saudosistas que teve a sorte de conhecê-lo, ou, até melhor, de trabalhar com ele. Como é o caso deste repórter.
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