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Carina Fragozo

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Por que o brasileiro tem medo de falar inglês com outros brasileiros?

Na época da faculdade de Letras, eu tinha um medo irracional de falar inglês fora da sala de aula

23/11/2025 às 04:00

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No caso dos brasileiros, esse medo ganha contornos bem particulares

No caso dos brasileiros, esse medo ganha contornos bem particulares | Yan Krukau/Pexels

Na época da faculdade de Letras, eu tinha um medo irracional de falar inglês fora da sala de aula. Se eu via uma professora vindo no corredor, desviava o caminho. Se ouvia o elevador chegando e sabia que ela estava lá dentro, fingia procurar alguma coisa na bolsa só para não entrar. Eu fazia realmente de tudo para evitar ficar sozinha com elas no mesmo espaço. Meu coração disparava só de imaginar a possibilidade de uma conversa banal. Um “Hi, how are you?” no elevador parecia o prenúncio de um desastre linguístico. E o mais curioso é que eu já sabia inglês. 

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Mas medo de quê, exatamente? De errar o verbo? De pronunciar o th errado? Afinal, o que de tão ruim poderia acontecer se eu escorregasse numa conjugação verbal ou na pronúncia de alguma palavra? A verdade é que o que estava em jogo era algo mais profundo: um medo de ser julgada, de parecer menos competente, de ser “descoberta”.

Décadas depois, com a ajuda da Linguística Aplicada e das pesquisas sobre ansiedade de língua estrangeira, entendi o que acontecia. Há um termo para esse medo: Foreign Language Anxiety, um tipo específico de ansiedade de performance. Segundo os pesquisadores Horwitz, Horwitz e Cope (1986), esse estado emocional é composto por três fatores: apreensão comunicativa, ansiedade de teste e medo de avaliação negativa. O último é o mais cruel: a sensação constante de que você está sendo observado e avaliado, mesmo quando ninguém está prestando atenção.

Quando a ansiedade é alta, o cérebro aciona o chamado “filtro afetivo” (conceito proposto pelo linguista Stephen Krashen). Esse filtro age como uma barreira mental: o conhecimento que você tem está lá, mas não passa. É por isso que tanta gente “esquece” tudo o que sabia na hora de falar. O corpo congela e o inglês desaparece. É ciência, não drama.

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No caso dos brasileiros, esse medo ganha contornos bem particulares. Nossa cultura valoriza demais a forma, o “falar certo”, o erro zero. Desde cedo, aprendemos que errar é vergonhoso, e isso nos acompanha até o inglês. Quando o aluno tenta falar e se corrige no meio da frase (“She walk quer dizer, walks”), ele não pensa que está se comunicando; ele pensa que está falhando. E aí vem o silêncio.

“Meu inglês é horrível”, dizem muitos, quando na verdade o que sentem é medo de exposição. O mais irônico é que os falantes nativos — americanos, britânicos, australianos — costumam ser muito mais tolerantes com erros do que os próprios brasileiros. Porque, sim, de acordo com muitos dos meus alunos, quem mais julga o inglês de um brasileiro é outro brasileiro.

Esse comportamento tem fundo histórico e cultural, herdado de uma sociedade que sempre colocou o que vem de fora num pedestal. Ainda hoje, muitos acreditam que o sotaque estrangeiro é “melhor” que o nosso. Então, em vez de valorizar o fato de conseguir se comunicar em outra língua, muita gente prefere o silêncio à ideia de parecer “errado”.
E há ainda o elemento da comparação. Falar inglês com outro brasileiro é quase como se olhar no espelho, e isso assusta. No fundo, o medo não é da língua, é do olhar do outro. A mesma frase que sairia tranquila com um estrangeiro (“I’m learning English!”) se transforma em constrangimento quando dita diante de um compatriota. É como se, entre nós, o erro tivesse mais peso, mais eco.

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Mas o mais curioso é que esse medo, embora irracional, é real. Ele se manifesta no corpo: acelera o coração, rouba o ar, embaralha as palavras. É o cérebro tentando nos proteger de uma ameaça que não existe. Afinal, o que de pior poderia acontecer se o th saísse como t? Nada. Absolutamente nada.

E, no entanto, lá estamos nós evitando o elevador, adiando o “hello”, travando diante do espelho. Eu aprendi, anos depois, que o erro não me tornava menos professora, menos fluente ou menos digna de ensinar. Tornava-me humana e, portanto, uma eterna aprendiz. E talvez essa seja a lição que o inglês, no fim das contas, insiste em nos ensinar: ninguém aprende a falar sem antes se permitir tropeçar.

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