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Marcelo Marrom

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Preto, eu?

Logo fui crescendo, me percebendo melhor e primeiro veio a aceitação, depois o orgulho e a cura

22/11/2025 às 02:00

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Uma rede de amigos enorme e acreditem ou não, todos os moleques com quem eu me relacionava eram brancos

Uma rede de amigos enorme e acreditem ou não, todos os moleques com quem eu me relacionava eram brancos | Depositphotos

Sabia que demorei a perceber que eu sou negro. Como assim? Você deve estar se perguntando. Calma que eu te conto. Nasci num bairro bem pobre de Niterói. O nome oficial é Palmeiras, mas todos conheciam o lugar como Buraco do Juca. 

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Segundo contam, esse apelido ao bairro se deu porque um homem que vivia bêbado por aquelas ruas, gritava de forma incessante: “esse buraco é meu”, se referindo ao bairro. Com a morte de Sr. Juca, todos passaram a chamar o lugar de buraco do Juca. 

Meus avós já tinham uma condição melhor e moravam num bairro nobre chamado Boa Viagem. Foi praticamente ali que cresci. Adorava passar os dias naquele lugar, até que meu pai passou em um concurso público, a vida melhorou um pouco e fomos morar no mesmo prédio dos meus avós. Eu já conhecia todo mundo.

Uma rede de amigos enorme e acreditem ou não, todos os moleques com quem eu me relacionava eram brancos. 

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Um belo dia, entre uma partida e outra da pelada diária que jogávamos no campinho, algum colega falou para mim num tom bravo e um pouco pejorativo a seguinte frase: “toca a bola cara, você é preto, mas não é o Pelé não!” Todos riram muito. Eu nunca havia parado para pensar em cor, cabelo ou classe social. Eu me via como um deles. E a minha reação foi pensar perplexo: “preto, eu?”

Como eles perceberam que fiquei abalado com a informação e todos rindo de mim, passaram a me chamar dali em diante de Pelé sem talento, Mussum, Macalé, entre outros apelidos. 

Diante da nova informação, que sou preto, comecei a ver o mundo diferente. Agora os olhares no elevador do prédio, as perguntas feitas pelos porteiros dos prédios dos meus amigos, os olhares na padaria em que eu ia comprar pão…, sim, agora tudo fazia sentido. 

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O palco e a cura.

Logo fui crescendo, me percebendo melhor e primeiro veio a aceitação, depois o orgulho e a cura. 

Foi com a minha entrada para o mundo da comédia, há quase 20 anos, que ressignifiquei muitas coisas. Minhas primeiras piadas eram justamente falando do racismo oferecido a mim no meu dia. 

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E quanto mais eu falava disso, mais eu me sentia melhor. As pessoas riam muito e eu cheguei a ser criticado por tratar um assunto tão sério com tanta graça e leveza. Lembro me de ter sido chamado por uma pensadora negra de néo capitão do mato. 

Mas eu sabia que minhas piadas estavam também conscientizando a branquitude. Por inúmeras vezes fui abordado na porta dos teatros com a afirmação de que meu texto havia mexido com eles. Que aquela piada, aquela fala, aqueles relatos, de alguma maneira revelaram atitudes racistas. “Isso que você disse em forma de piada eu venho dizendo há anos e só agora percebi que isso é racismo”, disse um homem branco. 

Enfim, a piada é para fazer rir, mas também tem o poder de conscientizar, transformar, enriquecer vocabulários e provocar reflexões. 

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Hoje sou um homem de 54 anos, continuo preto, aprendendo cada vez mais sobre o tema e com um orgulho imensurável da cor que tenho. 

Que esse tema seja assunto na sua mesa, na fila do mercado, para podermos dizer um dia na força do amor, racismo é coisa do passado.

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