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Em 1998, a Lei de Crimes Ambientais proibiu definitivamente a prática, que passou a ser considerada crime no Brasil
04/10/2025 às 09:30
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Pancadaria generalizada entre as equipes de Popó e Wanderlei Silva após a luta de boxe entre os dois atletas repercutiram nos últimos dias | Reprodução/TV Globo
O ano era 1987. Na cidade de Macaé, interior do estado do Rio de Janeiro, em uma tarde chuvosa de outubro, lá estava eu — um adolescente movido pela curiosidade — entrando clandestinamente em uma rinha de galo. Sim, a curiosidade era imensa, e o fato de participar de algo proibido mexia com meus ânimos juvenis.
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Ao entrar, logo percebi a dinâmica daquele universo. Homens barbados seguravam uma cerveja em uma mão e, na outra, seus galos de estimação. Conversavam com os animais de forma surpreendentemente afetuosa, proferindo palavras de incentivo como “você é o meu campeão” e “ninguém pode te vencer”.
Mal sabia eu que o que viria a seguir seria um verdadeiro espetáculo de horrores — algo terrível, que até hoje habita minha memória. Francisco José. Esse era o nome do galo mais temido da cidade. Bastava olhar para sentir um certo desconforto. Em três meses, ele havia vencido todas as “lutas”, conquistando fama por toda a redondeza.
A tensão aumentava à medida que a hora do grande duelo se aproximava. Para aquecer o público, combates preliminares com galos menos conhecidos aconteciam. Nada muito emocionante — uma bicada aqui, outra ali —, e a plateia aguardava ansiosamente pelo clímax da noite. Enquanto isso, Francisco José era paparicado pelo seu dono, como uma verdadeira estrela prestes a subir ao ringue.
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Chega o momento aguardado. Um galo forte, embora sem nome e sem a fama do seu oponente, é solto em uma espécie de ringue improvisado. Lá, permanece sozinho, alheio ao público, com um olhar assustado. Parecia saber o que o aguardava. De repente, o “juiz” autoriza a entrada de Francisco José. Ou melhor, Chicão — àquela altura, eu já me sentia íntimo dele.
Com dois minutos de luta, Chicão já se mostrava uma verdadeira decepção. Seu corpo sangrava, e ele mancava, usando apenas uma das patas — a outra estava visivelmente ferida. Os homens ao redor pareciam se divertir com a cena. Alguns poucos comemoravam discretamente o fato de terem apostado no improvável — e agora, faturariam uma boa quantia.
De repente, Chicão, completamente ensanguentado, é recolhido pelo seu dono, que admite a derrota e promete vingança em breve. Do outro lado, o antigo anônimo agora recebia o apelido de Capoeira, numa referência aos impressionantes golpes que desferira contra o até então invencível campeão.
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E eu? Saí dali com a sensação de ter participado de um evento macabro, cruel, diabólico — e profundamente traumatizante.
Em 1998, a Lei de Crimes Ambientais proibiu definitivamente essa prática, que passou a ser considerada crime no Brasil.
Mas, ainda hoje, é possível ver algo parecido. A diferença é que agora os protagonistas são humanos no ringue. O espetáculo é transmitido pela televisão, tem patrocínio de grandes marcas e movimenta milhões.
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O bom e velho boxe — esporte com técnicas refinadas, regras claras e que exige preparo físico e psicológico dos atletas — deu lugar, nesta semana, a algo mais próximo de uma verdadeira rinha de galos.
A discussão que segue agora é: quem está certo? Mas, diante das imagens e de tudo o que ocorreu, fica evidente que todos erraram. Erraram nas provocações que antecederam o evento; erraram ao misturar duas artes marciais diferentes, com regras incompatíveis; erraram ao escalar profissionais desequilibrados para as equipes.
Transformar luta em um entretenimento qualquer ainda pode terminar muito mal. Desta vez foram dois atletas envolvidos, mas já vimos atores, cantores e influenciadores enfrentando profissionais, tudo em nome de audiência e lucro.
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E você pode estar se perguntando: para quem eu torci?
Eu respondo: torci para que a desgraça não fosse maior. Não suportaria outro trauma desses. Afinal, não contei para vocês, mas Francisco José morreu dias após a fatídica luta contra Capoeira.
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