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O racista argentino 

O elitizado futebol brasileiro encontrou o inimigo a ser combatido, como se o racismo fosse algo só dos outros

Bruno Hoffmann

22/11/2023 às 16:34  atualizado em 22/11/2023 às 16:52

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Torcida do Boca Juniors, no Maracanã

Torcida do Boca Juniors, no Maracanã | Reprodução

Há quase dois meses, presenciei no Allianz Parque uma situação que poderia ter terminado em tragédia envolvendo a imprensa argentina e torcedores do Palmeiras que ficam bem ao lado da tribuna do estádio. A presença de seguranças por ali era irrisória.

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Com a classificação do Boca para a final da Libertadores, os jornalistas que cobriam a equipe tiveram um momento de êxtase, como se estivessem em La Bombonera. Anteriormente, profissionais brasileiros também tiveram seu momento de euforia com o gol marcado por Piquerez, que levou a decisão para os pênaltis. Sem uma segurança adequada, logo os torcedores palmeirenses ao redor se indignaram com a reação argentina e ameaçaram invadir o setor. A situação foi ficando mais tensa e a qualquer momento uma tragédia teria início, já que o policiamento demorou a chegar.

Confesso que aquilo ligou meu sinal de alerta. Com a explosão de manifestações racistas por parte de torcedores argentinos, prometi pra mim que jamais aceitaria presenciar alguma manifestação desse tipo sem reagir. Estava com uma visão privilegiada, de cima, tendo praticamente todo o panorama sob meus olhos.

E em nenhum momento vi qualquer manifestação que remetesse a um ato racista. Apenas muita exaltação dos dois lados.

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Com a chegada da polícia, para minha surpresa, alguns palmeirenses passaram a acusar um dos jornalistas de ter feito um gesto racista. Justamente um profissional que estava no meu radar, por ser um dos mais exaltados com a classificação do Boca. Uma casca de banana foi arremessada na direção dele, como uma devolução. Fiquei sem entender. Depois de alguns minutos de discussões e acusações, o material desse homem foi revistado e sob dezenas de câmeras de celulares, ele foi levado para depor.

Passando por mim, perguntei se ele tinha cometido tal ato. Com um semblante desesperado, ele negou. Perguntei aos policiais qual seria o procedimento e me disseram que ele estava sendo levado para depor e que imagens seriam analisadas. Disse a eles que, de onde eu estava, não tinha conseguido detectar qualquer ato racista vindo dos argentinos.

Relatei tudo no microfone da Rádio Bandeirantes e fui atrás de jornalistas brasileiros na tribuna e de torcedores que estavam na confusão. Ninguém soube me precisar o que de fato aconteceu. Imagens? Apenas do momento em que esse jornalista é levado pelos policiais.

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Após algumas horas, o jornalista foi liberado, não sem antes virar notícia em portais da internet. Imagens conclusivas? Apenas dele sendo levado pelos policiais.

Me chamou a atenção também a ausência de torcedores pretos no meio de toda essa confusão (era um dos setores mais caros do estádio).

Faço questão de registrar que o racismo é um assunto muito sério pra ser levado apenas como ofensa ao argentino em contragolpe a atitudes criminosas que cresceram nos encontros entre os dois países e, muito menos, por uma ira futebolística.

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A quem interessa a banalização e a generalização do racismo exposto por torcedores argentinos no estádio de futebol?

Algumas semanas depois, os argentinos voltaram em peso ao Brasil para a final da Libertadores e o Rio de Janeiro foi invadido por torcedores do Boca. Em poucas horas, a cidade foi palco de inúmeras confusões. Mais uma tragédia anunciada que, de novo, poderia ser muito pior. Os relatos são de intolerância com torcedores comuns do Boca, importunados apenas por vestirem a camisa do clube. A motivação era quase sempre a mesma: a generalização do povo argentino como racista.

O racismo é um crime nojento, rasteiro, que fere a alma. Racista a gente identifica e combate com cadeia. O problema é que, muitas vezes, esse ato criminoso é minimizado de muitas maneiras na sociedade e no futebol brasileiro. Querer generalizar o racismo argentino e transformá-lo no grande inimigo a ser combatido é usar de artifício para perpetuar a elitização do futebol praticado aqui e, consequentemente, o nosso racismo de cada dia.

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Quando nos indignamos apenas com o racismo vindo do argentino, estamos assumindo que não queremos ser colocados na mesma laia daqueles que sofrem todos os dias com o racismo perpetuado na sociedade brasileira, visto de uma forma estrutural e determinante.

Quando aceitamos, através da nossa seleção, que estrangeiros que ocupam nossa arquibancada apanhem da nossa polícia para que o mundo veja, estamos elegendo um único inimigo e deixando de olhar e discutir nossas amarras sociais escancaradas num campo de futebol.

Enquanto acharmos normais os valores exorbitantes dos ingressos, o embranquecimento dos estádios e a ausência de figuras negras a beira do campo e nas cadeiras presidenciais dos clubes e não discutirmos isso a fundo, sem achar que é mimimi ou lacração, estaremos praticando um racismo tão cruel e sujo quanto o explícito racismo de certos torcedores argentinos.

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