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Os prédios milionários estão abandonados desde 2014 | Thiago Neme/Gazeta de S. Paulo
Para onde vai o dinheiro público da educação superior? Na USP, melhor universidade da América Latina, para dois prédios abandonados. Desde 2014, duas construções, que custaram mais de R$100 milhões cada, acumulam lodo e mato selvagem no Butantã.
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O primeiro prédio, que tem 36 mil m², foi projetado para ser um grande centro de convenções. A obra deveria ter sido entregue em 2016 e garantiria mais espaço para eventos importantes da universidade, em seus auditórios com capacidade para mais de mil pessoas.
Já o segundo, com estrutura mais moderna, revestida de vidro, foi construído para abrigar o Museu de Arqueologia e Etnografia (MAE). A obra começou em 2013, custando mais de R$120 milhões à USP, e foi abandonada já em estágio avançado.
Os gigantes formam uma paisagem curiosa no principal campus da instituição: prédios grandiosos, mas que ninguém pode ter acesso. Até hoje, nenhum aluno entra, nenhuma aula é ministrada, nenhum evento acontece. É um espaço completamente desperdiçado, até o momento.
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Segundo a USP, os gastos ocorreram durante a gestão do então reitor João Grandino Rodas. O professor ficou à frente da universidade de 2010 a 2014.
Dessa cifra milionária, R$ 105 milhões foram investidos no primeiro prédio, o Centro de Convenções. As obras começaram em 2012, e a primeira etapa, responsável pela construção de 70% do prédio, foi entregue em 2014.
Mas ainda faltam cerca de R$ 40 milhões para a conclusão do projeto, prevista para 2016, diz a universidade. A equipe da Gazeta esteve no campus e observou o prédio por fora, um enorme bloco de concreto, sem muitas janelas e faltando acabamento.
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A USP abriu uma série de licitações para que empresas privadas finalizassem a obra. Com isso, a vencedora poderia realizar eventos particulares no prédio. A reitoria informa, no entanto, que nenhuma companhia teve interesse no investimento.
Já o prédio do museu custou R$ 123,5 milhões à USP e deveria ter sido entregue em 2017. A universidade admitiu que a construção foi abandonada já em estágio avançado, devido a cortes no orçamento.
Há um projeto em curso para retomar a obra ainda esse ano. O orçamento previsto, que ainda deverá ser confirmado, é de R$300 milhões para finalização e abertura do MAE.
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Assim como o orçamento milionário, os planos para os prédios abandonados também eram grandiosos. Somente o Centro de Convenções estava projetado para ter três grandes auditórios, com 1.450, 620 e 218 assentos, e um estacionamento para 700 veículos.
Sobre os gastos com o prédio do museu, a USP não conseguiu estipular o percentual de conclusão da obra. Tampouco outros detalhes como capacidade, infraestrutura e equipamentos da edificação foram informados.
No local, o que se vê é um prédio moderno, com fachada em vidraçaria, e que ocupa grande espaço no campus. Uma estrutura curiosa são aparentes placas solares instaladas no teto da construção.
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Ambos os prédios integram um projeto maior da universidade: a Praça dos Museus. Com 53 mil m² de área, essa é mais uma tentativa da USP de reviver a área mais remota do Campus Butantã, agora no novo Plano Diretor, aprovado em 2024.
A USP afirma que as obras foram paralisadas por conta da crise econômica que afetou as universidades estaduais em 2014. A reitoria explica que houve uma queda na arrecadação do imposto ICMS, principal fonte de recursos da instituição.
Naquele ano, o então reitor Marco Antonio Zago aprovou diversos cortes com o objetivo de conter a crise econômica. Um deles foi suspender a contratação de docentes e demais funcionários, e outro foi abandonar as obras em andamento.
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O corte sofrido pela universidade foi de R$ 140 milhões em relação ao que era esperado para aquele ano, sobrando cerca de R$ 4,4 bilhões no orçamento.
Depois de sete anos de paralisadas, as obras finalmente tiveram a oportunidade de finalização em 2021. Naquele ano, o Governo do Estado enviou R$ 500 milhões à USP — além do orçamento anual — para retomada de obras, mas esse dinheiro não foi utilizado na Praça dos Museus.
Em 2022, a USP traçou um plano para tentar reverter os efeitos da crise de 2014. Para isso, reservou cerca de R$ 2 bilhões de seu orçamento anual para finalizar os prédios. Entretanto, o projeto não saiu do papel e a Praça dos Museus ficou de lado novamente.
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Apesar das oportunidades, a USP não explicou por que, até agora, as obras dos dois prédios nunca foram retomadas. Com o novo Plano Diretor, mais uma vez há a tentativa de reviver aquele espaço.
O descaso incomoda quem passa diariamente nos arredores dos prédios abandonados. Victor, estudante de Oceanografia, repara nas construções há anos. “Eu nem sei exatamente o que é aquela obra, só sei que ela está aí desde 2018, quando comecei a frequentar a USP”.
O aluno acredita que o local não deveria ser utilizado como centro de convenções ou museu. “Uma construção desse tamanho poderia servir de moradia para estudantes, porque o Crusp [atual residência estudantil] tem uma estrutura precária e não consegue abrigar todos os alunos”, completa.
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Já Ian Carvalho, que faz pós-doutorado, já ouviu boatos de que aquele local seria usado para eventos e teria anfiteatros, mas não concorda com esse uso.
“Desde que estou aqui, há mais de sete anos, nunca vi nenhuma obra acontecendo naquele espaço. Acredito que existem outras coisas que a USP poderia se preocupar antes de um anfiteatro desse tamanho, como mais um restaurante universitário”, diz Ian.
Os estudantes concordam que, abandonadas ou não, essas obras não deveriam ser prioridade para a universidade. Apesar disso, expressam sua insatisfação com o fato do projeto estar parado há mais de dez anos.
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Paula Flores, que mora perto da USP há muitos anos, afirma que viu o processo de construção dos prédios. “Eu vi a obra começar, soube que ia sair um centro de eventos, mas fiquei pensando: será que precisa de tudo isso?”, diz.
“É um descaso muito grande que vejo aqui. Quando passo pelo campus, percebo quantas coisas estão abandonadas”, Paula expressa sua insatisfação. “A universidade tem tanto dinheiro, mas aqui existem prédios sem pintura, faltam computadores. É muito triste.”
*Essa matéria foi escrita em colaboração com a repórter Jenny Perossi
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