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Samuel Gustavo de Andrade desapareceu em 2017, aos 19 anos | Arquivo Pessoal
“Não me prometa mais que você vai trazer nosso filho, não”. A frase foi dita ano passado por Emília ao marido, Sandro Andrade, após mais uma das centenas - talvez milhares - de promessas de que ele iria procurar Samuel Gustavo de Andrade e trazê-lo de volta.
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O jovem estava desaparecido desde 2017, quando tinha somente 19 anos.
O desespero da família fez o pai, um mecânico do Grajaú, na zona sul de São Paulo, percorrer vários estados do Brasil, entrar em favelas e em gabinetes de ministros para pressionar pelas buscas ao rapaz.
A notícia só chegou em junho deste ano: o estudante havia morrido e foi enterrado cinco dias depois do desaparecimento como indigente em um cemitério da zona noroeste da capital paulista.
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“Depois que encontrei meu filho, preferia não ter encontrado. Nesses sete anos tive pelo menos a esperança, eu corri atrás. O desaparecimento é um flagelo, é uma tortura. A morte de um filho é pior”, explicou o pai, em entrevista à Gazeta, nesta semana.
Ele também criticou a estrutura das polícias e do poder público para buscar desaparecidos em São Paulo e em todo o Brasil, e explicou como manteve a estrutura emocional com a dor brutal que sentia.
Nesta semana, a 4ª Conferência Internacional de Familiares de Pessoas Desaparecidas, promovida pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), reuniu 900 pessoas de mais 40 países. Sandro e Emília estavam entre elas.
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Em 2024, 70 mil pessoas desapareceram em todo o País. O impacto, porém, é muito maior, porque isso afeta familiares, amigos, colegas de trabalho. A dor é incalculável.
Na noite de 9 de dezembro de 2007, uma sexta-feira, o estudante saiu de casa para ir a uma festa. Não voltou, e os pais ficaram preocupados, já que o garoto era pacato e dócil, com temperamento introvertido, e não era de dar problemas.
Pela manhã, Sandro resolveu abrir um boletim de ocorrência em uma delegacia da região e requisitar as imagens de todas as câmeras de segurança que encontrava pelo caminho. “Foi naquele momento que nossa luta começou”, relembrou o pai.
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Dois dias depois, estavam na sede do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), para pressionar a polícia a se aprofundar nas investigações. Em 10 dias, o caso já havia sido tema de dois programas da TV aberta.
Sem tempo para perder, ambos continuaram a luta. Nos anos seguintes bateram em gabinetes de deputados estaduais e federais, foram recebidos por ministros de Estado e por integrantes de facções criminosas e viajaram pelo País em busca de qualquer pista do garoto. O pai deixou o trabalho para se dedicar apenas a seguir nas buscas.
Ele destacou que um dos grandes sofrimentos foi o despreparo de parte dos policiais para lidar com o caso.
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“O familiar de um desaparecido chega destruído numa delegacia. Se o cara [da delegacia] olhar torto, a pessoa já fica arrasada. O policial está acostumado a ir atrás de ladrão, de homicidas, de marginais e às vezes já está meio embrutecido e não tem sensibilidade para lidar com um familiar nessa situação”, lamentou.
O homem de 58 anos também se disse contrário a casos de desaparecidos em São Paulo ficarem concentrados em uma mesma delegacia - que normalmente é a 5ª delegacia do DHPP. “Deveriam passar o caso para as delegacias onde o fato aconteceu. Lá eles conhecem as ruas, as vielas, as pessoas, e podem resolver a questão mais rápido”.
Com as dificuldades, com a dor, com outro filho em casa, ele não desistiu sequer um dia e percorreu o interior paulista, foi para estados como Paraná, Santa Catarina, Minas, Brasília e Rio de Janeiro em busca de pistas que se mostrariam falsas. Só que ia até lá para comprovar que a pista, de fato, não era real.
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“Era assim que eu não sucumbia, que eu ficava de pé: indo atrás dele toda hora que desse”.
Sempre que saía de casa, avisava a mulher: “Vou voltar com o nosso filho”. Depois da enésima vez, Emília Andrade soltou a frase que abre este texto.
Uma vitória coletiva nesse tempo, contou, foi a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas (CNPD), em 2019. Com três bancos de dados (informações públicas, informações sigilosas e informações genéticas e não genéticas), o sistema busca reunir e integrar as principais informações referentes à busca de pessoas desaparecidas, com o intuito de possibilitar a gestão e cruzamento destes dados nacionalmente.
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Em 2023, foi a Brasília e conversou com o então ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e com o então ministro da Justiça, Flavio Dino. Após pressão, conseguiu que um investigador retomasse o caso em São Paulo.
Aliás, as mudanças constantes das equipes é outra falha para achar os desaparecidos. “Muda um delegado, muda um investigador, e tudo volta ao começo”, destacou.
Esse investigador começou a unir as evidências. Ao cruzar uma série de informações, descobriu que havia o registro de um corpo encontrado no rio Pinheiros, nas proximidades da avenida Guido Caloi, na região do Grajaú, em 15 de dezembro de 2017.
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Como estava em avançado estado de decomposição e não foi possível coletar impressões digitais, foi enterrado como indigente no Cemitério Dom Bosco, em Perus, no outro extremo da cidade.
O laudo do IML indicou asfixia mecânica por afogamento. O corpo foi identificado por exame de DNA. Ou seja: a impressão geral foi de que não era tão difícil para o poder público resolver o caso já em 2017.
O desaparecimento de Samuel motivou o deputado Enio Tatto (PT) a apresentar um projeto de lei na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para criar o “Alerta Samuel”. A proposta pretendia obrigar o poder público a emitir um alerta emergencial em casos de rapto, sequestro ou desaparecimento de crianças e adolescentes no estado de São Paulo.
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O projeto chegou a ser aprovado por unanimidade, mas acabou vetado pelo então governador João Doria (à época no PSDB).
Agora, os pais querem saber em que situação o filho morreu, e não aceitam o fim das investigações.
O casal já tinha perdido dois filhos: Sheila morreu em 1988, após o nascimento, e Saulo se foi aos 22 anos, em 2013. Hoje, Sandro Jr. é o único filho da casa.
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“Sei a dor de enterrar filhos. Nada é pior”.
Eles mantiveram os pertences do garoto guardados por muito tempo, mas resolveram doar quase tudo para uma igreja católica.
A fé em Deus também foi fundamental para se manterem de pé. Samuel resolveu ficar só com os bonés do filho. “É o suficiente. O importante são as lembranças que ele me deixou”.
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) já concluiu as investigações sobre o desaparecimento do jovem. Exames de DNA, realizados pelo Núcleo de Biologia e Bioquímica, do Instituto de Criminalística, confirmaram a identificação da vítima.
Segundo o órgão, na época não conseguiram obter nenhuma informação concreta sobre o paradeiro do rapaz. “A queixa de desaparecimento permaneceu ativa nos bancos de dados policiais, dessa forma as diligências continuaram ao longo dos anos”, continuou a Pasta.
“No ano passado, um policial foi designado para reavaliar o material da investigação e realizar novas buscas. Durante essa apuração, foi localizado, por meio de um site da Prefeitura de São Paulo, o registro do sepultamento de um corpo não identificado, encontrado no Rio Pinheiros em dezembro de 2017.
O cadáver, em avançado estado de decomposição, impossibilitou a coleta de impressões digitais na época. O laudo do IML apontou morte por asfixia mecânica por afogamento, e o corpo foi enterrado como desconhecido em um cemitério municipal”, completou a nota da SSP.
Agora, para a família, falta descobrir a causa da morte de Samuel. Que não leve mais sete anos.
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