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Cotidiano

Pedagoga brasileira leva ao Parlamento Europeu debate sobre autistas negros apagados

Fundadora do Vidas Negras com Deficiência Importam conversa com a Gazeta sobre a sobrecarga no cuidado dos filhos

Leonardo Siqueira

11/12/2025 às 12:30  atualizado em 11/12/2025 às 12:34

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Luciana Viegas acredita que o mundo precisa de um novo olhar sobre educação e autismo

Luciana Viegas acredita que o mundo precisa de um novo olhar sobre educação e autismo | Leonardo Siqueira | Gazeta de S. Paulo

Alexander Hamilton é um imigrante órfão do Caribe que ao lado de George Washington está construindo um novo ideal de país. Assim é a peça da Broadway, Hamilton, na qual a ativista Luciana Viegas, encontra semelhança com a sua história de vida. 

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Também pedagoga, fundou o movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI) em 2020, por conta do filho autista. A maternidade se tornou um ponto motriz para criar um futuro melhor para o filho e trocar experiências em uma rede de apoio com outras mães, em um tema com poucos estudos no Brasil. 

A interseccionalidade entre raça e deficiência é o tema do seu discurso em Bruxelas, na Bélgica, durante o Fórum Internacional de Direitos Humanos, nesta quinta-feira (11/12), promovido pela União Europeia. 

Maternidade

Assim como Hamilton, Luciana está trabalhando para a continuidade do seu legado e um ideal de País que ainda não existe, mas está se formando. Sorridente e convicta, ela referencia as pessoas que vieram antes dela.

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“É a continuidade do que a minha mãe faz. Só consigo entender isso hoje porque alguém pensou lá atrás. Podemos falar de pessoas negras com deficiência porque tiveram dois movimentos que pensaram as pessoas com deficiência e as pessoas negras”, destacou.

Os filhos Luiz e Elisa são o principal motor de Luciana. Quando morava na periferia de Várzea Paulista, na região de Jundiaí, viu a necessidade de ensinar os comandos policiais para caso Luiz fosse abordado pelas autoridades. 

Nessa época, o menino de quatro anos era pouco verbal. Havia uma preocupação de que ao crescer, seria facilmente confundido com um ladrão. Porque ele era um menino preto que gostava muito de correr e o policiamento era forte na região.

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“O quanto estamos dando direito as pessoas negras de serem diversas. Autista possuem uma dificuldade de comunicação e tem a questão sensorial. O quanto que a polícia e as pessoas estão preparadas?”, questionou Luciana sobre uma abordagem em um jovem neurodivergente. 

Crianças com transtorno do espectro autista (TEA) podem ter uma crise, conhecida como meltdown — uma reação de sobrecarga sensorial e emocional. É recomendado que um profissional acalme a pessoa para reduzir os estímulos involuntários.

Em dado momento, Luiz se jogou no chão enquanto estava no hospital com a avó e a irmã. Ao observar a cena, comum em crianças, a recepcionista sacou o telefone e chamou os seguranças em vez de ajuda médica. 

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Para pessoas pretas neurodivergentes, existe um lugar de culpabilização de “estava causando ameaça para os outros” e não o de “vamos acalmar o ambiente para resolver”. 

“Quais são as referências que a gente têm de autistas? No Brasil, autistas têm uma cara de autista. Ou seja, uma cara branca, masculina, cis, de classe média alta. Muitas vezes são jovens indefesos”, para ela, ainda não existem figuras atípicas pretas popularmente conhecidas.

Aldeia

Por outro lado, o musical Hamilton usa atores diversos para interpretar George Washington, Thomas Jefferson e Aaron Burr (homens brancos). Composto por R&B, hip-hop, jaz e soul, os personagens se apoiam uns nos outros para discutir um novo modelo de sociedade. 

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A troca de informações com similares é de extrema importância em qualquer situação. Por existirem poucos estudos sobre o tema no Brasil, a comunidade de suporte de filhos autistas pretos cresce com a troca de experiências.

“Criamos uma aldeia de pessoas falando: ‘olha, acho que essa cor de parede hiper estimula, acho que todos esses brinquedos aqui aceleram. Isso é muito importante porque você não se sente sozinho, e porque tem um lugar para desabafar”, explica a ativista.

Junto de outras mães, ela acredita no provérbio africano “é preciso uma aldeia para criar uma criança”. Por outro lado, os pais são praticamente ausentes nas sessões em grupo. Os que aparecem, se limitam a levar e buscar a esposa.

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Em 2023, a Genial Care em parceria com a plataforma Tismoo.me, intitulada “Retratos do Autismo no Brasil” fez um levantamento com 2.247 participantes, incluiu tanto cuidadores quanto pessoas autistas. 

A figura materna prevaleceu. Somando-se aquelas que se declararam solteiras (22%) ou divorciadas (10%), chega-se a aproximadamente 32% de cuidadores sem cônjuge. Ou seja, cerca de um terço das famílias participantes era chefiada apenas pela mãe.

Ativista durante o Fórum de Direitos Humanos em BruxelasAtivista durante o Fórum de Direitos Humanos em Bruxelas | Arquivo Pessoal

O estudo também identificou aspectos psicossociais, como o sentimento de culpa: 36% dos cuidadores afirmaram se sentir culpados pela condição da criança, e desse grupo 89%.

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“O segundo ponto, é que os pais que ficam punem as mães fisicamente, por dizer que elas geraram filhos com deficiência”, discorre Luciana, que discursou para lideranças durante a COP30, em Belém, Pará. 

O problema também institucional e não somente do indivíduo. Os pais não possuem licença paternidade suficiente — de no máximo 20 dias — para criar um vínculo com o recém-nascido. 

Durante a primeira infância, do nascimento até os seis anos, as crianças formam mais conexões cerebrais do que em qualquer outra fase da vida. 

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Além disso, se um pai precisa apresentar uma carta no trabalho por ir à escola ou levar o filho à terapia, existe a chande dele perder o emprego. A responsabilidade de cuidar ainda é majoritariamente atribuída as mães.

Por isso, Luciana argumenta que os pais precisam buscar participar da vida dos filhos da melhor maneira possível. Junto da parceira, os dois devem descobrir juntos como criar uma criança autista. 

Diagnósticos

A interseccionalidade entre pessoas pretas e neuro divergentes é o tema de discurso de Luciana no Parlamento Europeu, nesta quinta-feira (11/12). Sua fala será a de fechamento da plenária. 

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A pedagoga se questiona “O que eles viram de potente no nosso trabalho que o Brasil ainda não viu?”. Sua relevância é maior no exterior porque o debate em outros lugares está mais avançado que em seu país de origem. 

Para a ativista, em algum momento da vida, todas as pessoas vão ter algum tipo de deficiência, sobretudo as pretas. Chegar a terceira idade sem ter discutido sensibilidade antes, aumenta as chances e isso está sendo discutido em outros Estados.

Luciana afirma que a questão racial impede totalmente o diagnóstico. Tanto ela quanto seu filho foram questionados da sua condição. O que apresentavam era frequentemente lido como "comportamento disruptivo" ou simplesmente "indomável" e não autismo. 

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Além disso, a subnotificação ocorre porque o autismo é um diagnóstico clínico. O médico precisa ter tempo para entender o contexto social e psicossocial do paciente e não somente se basear em questionários e testes, que devem ser apenas complementares. 

“Porque eu e o médico clínico já sabíamos, mas eu não conseguia um neurologista que sentasse mais de cinco minutos para conversar sobre a minha trajetória de vida”, essa falha levou a ativista a se autodiagnosticar. 

Portanto, assim como Alexander Hamilton, Luciana enfrenta os desafios do viver no presente olhando para o futuro. A ativista está na vanguarda de um movimento que ainda não ganhou forças no Brasil, mas que apresenta seus problemas há séculos. 

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