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EXCLUSIVO: Itamar Vieira fala sobre novo livro, mulheres como protagonistas e opressão

Duas vezes vencedor do Prêmio Jabuti, autor finaliza 'trilogia da terra' com obra que aborda justiça e violência policial

Leonardo Siqueira

10/12/2025 às 07:00

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Escritor participou da Fliparaíba e conversou com a Gazeta sobre o seu novo livro

Escritor participou da Fliparaíba e conversou com a Gazeta sobre o seu novo livro | Leonardo Siqueira | Gazeta de S. Paulo

No topo de do Hotel Icon em João Pessoa, o escritor Itamar Vieira Junior conversou com a Gazeta sobre o seu novo livro “Coração Sem Medo”, posicionamento de escritores, o momento certo para se lançar um livro, crítica e a sua participação no 2º Festival Literário Internacional da Paraíba (Fliparaíba). 

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O soteropolitano venceu o prêmio Jabuti em duas ocasiões: no ano de 2020, com Torto Arado, e depois em 2024, com a continuação Salvar o Fogo. Seu novo romance finaliza a trilogia ‘terra’ com um cenário diferente: a cidade. 

Itamar também é geógrafo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) | Leonardo Siqueira | Gazeta de S. Paulo
Itamar também é geógrafo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) | Leonardo Siqueira | Gazeta de S. Paulo
O escritor ouviu seus leitores e distribuiu autógrafos em uma das tardes do evento | Divulgação | Fliparaíba
O escritor ouviu seus leitores e distribuiu autógrafos em uma das tardes do evento | Divulgação | Fliparaíba
Presente em uma das mesas, Itamar lotou o Centro Cultural São Francisco | Reprodução YouTube | Secult Paraíba
Presente em uma das mesas, Itamar lotou o Centro Cultural São Francisco | Reprodução YouTube | Secult Paraíba

Nesse desfecho, a protagonista Rita Preta possui um filho que sumiu aos 15 anos durante uma abordagem policial. Na busca, a bisneta de Donana — personagem avó de Bibiana e Belonísia, de Torto Arado —, dialoga com a sua ancestralidade, tema recorrente do escritor.

Itamar é geógrafo de formação e servidor publico licenciado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Além disso, possui doutorado em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em sua tese, abordou as comunidades quilombolas na Chapada Diamantina, o que contribuiu para a riqueza de suas narrativas. 

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O autor esteve Fliparaíba para compôr a mesa “Ai se sêsse - A palavra dançando no ouvido”. Confira a entrevista:

Gazeta: Encerrou a trilogia da ‘terra’, e agora? 

Itamar: Estou na jornada para promover o livro nesse momento, viajando, participando de eventos, pensando em novos projetos. Depois de um tempo,escrever se torna, por tudo que é, por tudo que permite ao escritor, se torna uma espécie de lugar confortável para poder pensar, refletir, criar linguagem. É um trabalho prazeroso.

E aí acho que fico dividido entre a divulgação, circulação, encontro com os leitores, que é importante também, e pensando em novos projetos. 

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Gazeta: Seu novo livro, “Coração Sem Medo”, fala sobre abordagem policial. Você comentou há um tempo que alguns livros têm o tempo certo para serem lançados, alguns deles você nunca divulgou. Esse livro, em específico, teve um tempo assertivo, a publicação aconteceu semanas antes da mega operação no Rio de Janeiro. Como você explica isso?

Itamar: Eu acho que o escritor sempre está pensando e refletindo sobre o seu tempo. Essa história é muito antiga, mais antiga do que a gente imagina. A história de uma mãe em busca de um filho atravessa a história humana.

Desde as tragédias gregas: “Hécuba”, de Eurípides, por exemplo, passando por grandes obras do século XX, como “Mãe Coragem e Seus Filhos”, de Bertolt Brecht; ou “Ana-não”, de Agustin Gomizar; ou então, até mesmo o mais recente, “A Mulher Foge”, do David Grossman.

"A história de uma mãe em busca de um filho atravessa a história humana"

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São obras que tratam disso. O que está retratado em “Coração Sem Medo” já é algo que o Brasil vive há muito tempo.

Poderia dizer mesmo que há séculos existe essa repressão. É natural, porque é algo que tem acontecido com frequência. O escritor sempre está refletindo, registrando o seu tempo. Esse foi o meu, registrando coisas incômodas do meu tempo. 

Gazeta: O escritor está o tempo todo observando a sociedade? 

Itamar: Ah, não tenho dúvidas. A nossa matéria-prima para o que a gente escreve, vem muito da observação, da nossa capacidade de evocar memórias. Até mesmo a imaginação se alimenta da observação. 

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Observar é algo que fomenta o que eu escrevo. Não é uma observação qualquer, existe uma sensibilidade nesse observar. É algo que envolve uma subjetividade que a gente nem se dá conta. 

Gazeta: Você acredita que a literatura pode encontrar os caminhos para diminuir a violência policial que acontece não só no Rio, mas em Salvador e em São Paulo? 

Itamar: Acho que não, eu não tenho essa pretensão. Não tenho essa esperança de que mude alguma coisa. Mas é claro que a literatura é uma expressão humana e como qualquer arte, o cinema, a música, o teatro, ela se comunica com as subjetividades do outro. 

Neste caso, o outro é o leitor. Então, ninguém sai indiferente de uma leitura. Ela não é algo difundido, não é uma expressão de massas. É algo que está restrito a um grupo. Eu não tenho essa esperança de que mude algo.

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Gazeta: Por que a maioria das suas personagens são mulheres?

Itamar: Essas histórias exigiam isso. Tem personagens homens. O personagem que desaparece, o Cid, é um homem. O outro filho da Rita Preta nessa história, ela tem três filhos homens que estão a todo momento na história.

O Caim, ele tem uma participação importante no fim da história. Ele que conduz a última parte. Assim como nas outras histórias, os homens estão lá.

Eu acho que os leitores, as pessoas em geral, não estão acostumados com mulheres ocupando espaços na prosa de um autor, o mesmo espaço que os homens ocupam. Acho que isso é que soa estranho. Mas os homens estão lá.

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Agora, é claro, essas mulheres têm um destaque. Elas aparecem no primeiro plano, são a força que move as histórias, elas movem o mundo. Precisava que elas representassem isso.

"Eu acho que os leitores, as pessoas em geral, não estão acostumados com mulheres ocupando espaços na prosa de um autor"

Vim de um universo familiar em que as mulheres eram essa expressão de força e para mim era muito paradoxal. Porque, ao mesmo tempo, elas eram vítimas de uma violência que é estrutural. Mas não se deixavam abater. 

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Desafiavam essa opressão com muita dignidade. De alguma maneira, se impregnou em meu imaginário e termina aparecendo naquilo que eu escrevo.

Eram essas heroínas, vamos dizer assim, atravessadas por uma violência que é estrutural. Mas que não se vergavam a essa violência. Pelo contrário, a desafiavam com muita dignidade. Então, de alguma maneira, se impregnou no meu imaginário.

Gazeta: Existe alguma pessoa nas histórias que foi inspirada em algum familiar?

Itamar: Tem, como eu disse logo no começo da entrevista, a literatura é feita de observação, de memória, de imaginação. As personagens trazem atributos de pessoas do meu entorno. Atributos meus, inclusive. É muito provável, não particularmente uma única pessoa, mas de uma forma subjetiva.

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Gazeta: Desde que você escreveu Torto Arado, até completar a saga, o Brasil mudou. Um país completamente diferente de 2019, pandemia, mudança política... Para qual público você escreveu esse último livro?

Itamar: Eu não pensava em um público grande. Acho que as pessoas podem até contar uma história para si. Mas essa história pretende comunicar algo ao outro. Até mesmo porque a história já existe em você, então não faz sentido contá-la para si.

O nosso trabalho com a palavra é esse. É um trabalho de linguagem. A linguagem vai se comunicar com os outros. Eu já tinha publicado dois livros antes — de contos. 

Eles tinham um pequeno público que ia aos eventos literários de lançamento, que comentavam, que escreviam sobre esses livros depois. Quando a gente descobre isso, parece que a nossa energia vai para esse grupo.

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"Eu não pensava em um público grande"

Você pensa neles num primeiro momento, como se fosse o destino daquela história. A gente sabe que não é e que outras pessoas lerão, também que não necessariamente aqueles que leram vão ler novamente. Mas existe esse horizonte. 

Eu pensava, para ser mais honesto, nas pessoas à minha volta. Que tinham inquietações como as minhas. Amigos, conhecidos, desconhecidos, familiares.

São aqueles primeiros destinatários daquilo que escrevemos, depois, a coisa transcendeu. Hoje já tem uma noção dos leitores, uma dimensão desses leitores, diferente de antes.

Gazeta: O livro Salvar o Fogo, quando publicado, não teve o mesmo apelo que Torto Arado. Em tempos de redes sociais, onde a informação e a desinformação chegam rápido. Como você lida com todo esse borborinho quando publica um livro?

Itamar: Acho que é normal. Quando um livro é publicado, tem as leituras, tem a expectativa, vem as críticas. Tudo isso é bem natural.

Gazeta: Não te afeta negativamente?

Itamar: Acho que afeta, sim, afinal, é o meu trabalho. É um trabalho em que eu dedico muito tempo. Salvar o Fogo venceu o prêmio Jabuti ano passado, de melhor romance. Ou seja, isso mostra que nenhum livro é unanimidade, seja para o bem ou para o mal.

Hoje eu acho que com o tempo a gente vai amadurecendo, mas isso costuma afetar. Para não me sentir afetado, nem que isso afete os trabalhos futuros, eu evito pensar tanto nos elogios quanto na crítica.

Porque a crítica pode te jogar para baixo. Por uma questão que muitas vezes alheia a obra, alheia a você, por uma conjuntura. Ao mesmo tempo, tem os elogios, eles podem fazer com que você se considere melhor do que você é.

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