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Erro em farmácia e busca por economia causaram pânico em Bradford há 166 anos | Pexels
O Halloween é sinônimo de presentear um punhado de doces e usar uma fantasia assustadora, mas em 1858, na cidade de Bradford, Inglaterra, essa tradição se transformou em uma tragédia nacional que chocou o país. A causa foi simples: pastilhas de hortelã que, por um erro fatal na hora de baratear custos, foram misturadas com arsênico, um veneno mortal.
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O drama começou quando o dono de uma barraca no mercado local, conhecido por muitos como Humbug Billy, o 'Billy da bala de hortelã', comprou doces por um preço extremamente barato. Ele buscava substituir o açúcar, um ingrediente caro na época, por algo mais em conta. Esse desejo por economia levou a um erro grave que culminou na morte de várias crianças e abalou a confiança em toda a indústria de alimentos.
Inicialmente, o médico que atendeu Elijah Wright, de nove anos, nas primeiras horas do Halloween de 1858, pensou que o menino havia morrido de cólera, pois os sintomas apresentados — vômitos e convulsões — eram consistentes com a doença comum na Inglaterra.
A falha de Humbug Billy, que vendeu cinco quilos das pastilhas, em questionar a qualidade do produto foi um erro grave, conforme aponta o relato histórico. Ao buscar os doces no revendedor, ele havia notado que eles estavam mais escuros do que o normal, mas mesmo assim pechinchou com o confeiteiro Joseph Neal, conseguindo uma economia de meio centavo por quilo.
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Os investigadores rastrearam o erro até Neal, que pensou ter substituído parte do açúcar caro dos doces por pó de gesso, uma prática comum no século 19 para usar no lugar de ingredientes caros, já que podia ser comprado a preço baixo em farmácias. O que Neal não sabia era que, no dia da coleta, o farmacêutico Charles Hodgson estava doente.
Hodgson orientou seu aprendiz não treinado, William Goddard, sobre onde encontrar o produto. Infelizmente, havia dois barris de pó branco sem identificação no mesmo local: um contendo o pó inócuo (gesso) e o outro contendo o arsênico venenoso.
A curadora assistente dos Museus e Galerias de Bradford, Lauren Padgett, explica a falha: “Goddard foi até um barril que acreditava conter gesso e coletou 5,4 kg dele, deu-o ao jovem que o levou de volta à confeitaria”. Lá, outro funcionário começou a misturar o pó para fazer as pastilhas.
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Esse funcionário, inclusive, ficou muito doente por ter sido exposto ao arsênico, mas, em vez de isso soar o alerta, ele continuou a produzir os doces. Quando Humbug Billy buscou a mercadoria, conseguiu o desconto por causa da aparência estranha das balas, que em seguida foram vendidas em sua barraca no mercado.
Horas depois da venda, a cidade de Bradford começou a registrar casos de doença e morte. Uma hora após o atendimento ao pequeno Elijah, o pai de Joseph Scott saiu em busca de um médico para o filho, de 14 anos, mas já era tarde demais quando voltou para casa.
O Dr. John Henry Bell foi quem finalmente suspeitou dos doces quando atendeu dois garotos no meio da tarde. Diante dele, Orlando Burran, de cinco anos, e seu irmão John Henry, de três, estavam mortos. Toda a família, incluindo o pai e mais duas pessoas, havia comido as balas de hortelã e estava doente.
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O Dr. Bell levou então alguns doces para o químico Felix Marsh Rimmington analisar. O resultado foi chocante: Rimmington declarou na investigação que encontrou "arsênico em abundância — em quantidade suficiente para matar".
A polícia agiu rapidamente ao ser alertada, indo até a casa de Humbug Billy, que também estava doente, de cama, e descobriu que ele havia vendido cerca de 1.000 balas no dia anterior. A curadora Lauren Padgett conta que "A polícia ficou horrorizada ao descobrir que havia [tantos] doces em circulação".
Naquele momento, era tarde da noite de domingo, e os oficiais saíram para as ruas tocando sinos e gritando avisos de bar em bar, dizendo às pessoas: "'Não comam os doces, são venenosos'". Rápidos, avisos também foram impressos e afixados em locais públicos, no local onde Humbug Billy vendeu os doces.
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O jornal Bradford Observer descreveu a lista crescente de vítimas como "a tragédia mais terrível que talvez já tenha se abatido sobre o distrito... [espalhando] sofrimento, luto e angústia". Em 4 de novembro, o número de mortos chegou a 18, sendo o mais jovem de apenas 17 meses.
A historiadora de doces e confeitaria Alex Hutchinson detalha a imprudência da situação, afirmando que “Foi uma quantidade absurda de arsênico”. Para se ter uma ideia do perigo, Rimmington quantificou a dose encontrada nas pastilhas:
Hutchinson explica que, para os consumidores do século 21, "parece uma loucura que esse elemento chocantemente venenoso, inodoro e sem gosto pudesse ser armazenado em um barril sem identificação ao lado de outro material sem rótulo". A cadeia de eventos que levou aos envenenamentos foi, no final, pura "incompetência".
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A tragédia se tornou nacional, e o artista John Leech, ilustrador da primeira edição de Um Conto de Natal, de Charles Dickens, ficou conhecido por um desenho publicado na revista Punch que mostrava um esqueleto misturando açúcar em uma loja de doces. Oficialmente, 20 pessoas, muitas delas crianças, morreram e outras 200 ficaram gravemente doentes.
Os envenenamentos em Bradford, que na época tinha cerca de 50 mil habitantes, realçaram a urgência de zelar pela segurança tanto dos medicamentos quanto dos produtos de consumo. O caso causou uma onda de protestos e deu impulso à criação de leis regulatórias.
Uma década após o incidente, o Reino Unido aprovou a Lei das Farmácias de 1868. Essa lei não só limitou a venda de produtos venenosos e medicamentos perigosos a farmacêuticos qualificados, mas também estabeleceu um quadro regulatório que exige que substâncias sejam devidamente rotuladas.
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No entanto, a lei de 1868 não teria resolvido a questão mais ampla dos alimentos adulterados. Segundo a historiadora Alex Hutchinson, a indústria precisava de regulamentação e reforma, já que a Revolução Industrial fez os fabricantes adicionarem substâncias para diluir alimentos, preservar o prazo de validade ou torná-los mais baratos.
A lei que impede a adulteração não comunicada de produtos foi finalmente aprovada em 1875 na forma da Lei de Venda de Alimentos e Drogas. Hutchinson nota que os avisos poderiam ter sido considerados muito antes; em 1820, o químico Friedrich Accum escreveu o livro Death in the Pot (Morte na panela), alertando que alimentos do dia a dia eram rotineiramente adulterados.
Apesar de toda a legislação implementada para evitar que a tragédia se repetisse, o desfecho judicial surpreendeu: ninguém foi condenado. Humbug Billy nunca foi preso, embora tenha perdido os movimentos das pernas e braços por causa das balas que comeu.
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O confeiteiro Neal, o aprendiz Goddard e o farmacêutico Hodgson foram presos por homicídio culposo, mas o grande júri rejeitou as acusações contra Neal e Goddard, e o juiz interrompeu o processo contra Hodgson. O relatório do tribunal destacou que o único aspecto realmente criminoso do episódio era a prática da adulteração, que a lei não podia alcançar, mas esperava que o trágico episódio servisse de lição.
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