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A esquizofrenia segue sendo um enorme enigma científico e humano | Freepik
Durante décadas, a esquizofrenia foi descrita como um quebra-cabeça em que cada peça – genética, ambiente, estilo de vida – contribui um pouco para o resultado.
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Agora, um grupo de especialistas em genética e neurologia mostra que, em alguns casos, um único gene pode pesar muito mais nessa conta do que se imaginava.
O trabalho, publicado na revista científica Molecular Psychiatry, aponta mutações no gene GRIN2A como um forte fator de risco para doenças mentais, entre elas a esquizofrenia.
A descoberta, ainda em estágio inicial, abre espaço para pensar em estratégias de prevenção e tratamentos personalizados no futuro, mas também pede cautela para não vender falsas promessas.
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O GRIN2A é uma espécie de regulador fino da comunicação cerebral. Ele orienta a produção de uma proteína chamada GluN2A, peça importante do receptor NMDA – um canal elétrico que ajuda os neurônios a trocarem sinais com precisão.
Quando esse sistema funciona bem, o cérebro consegue ajustar processos fundamentais como aprendizado, memória, linguagem e desenvolvimento neurológico.
Os impulsos elétricos correm pelas conexões nervosas de maneira ordenada, o que permite que a pessoa organize pensamentos, perceba o mundo à sua volta e responda a ele de forma coerente.
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O estudo mostra que, quando o GRIN2A sofre uma mutação específica, essa engrenagem deixa de trabalhar como deveria.
A atividade do receptor NMDA cai, a comunicação elétrica se torna menos eficiente e aumenta o risco de o cérebro entrar em um modo de funcionamento desorganizado, típico de alguns transtornos psiquiátricos.
Até hoje, o entendimento predominante era o de que doenças mentais como a esquizofrenia tinham origem essencialmente poligênica: isto é, seriam o resultado da combinação de dezenas ou centenas de genes, somados a fatores externos como estresse, uso de drogas ou experiências traumáticas.
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Os novos dados não negam essa visão, mas mostram que há exceções importantes. Entre os 121 participantes acompanhados pelos pesquisadores, 85 carregavam uma variante no gene GRIN2A. Desses, 23 desenvolveram algum tipo de transtorno mental.
Na prática, isso significa que os portadores da mutação apresentaram um risco significativamente maior do que aqueles sem a alteração genética.
E um detalhe chamou atenção: os pacientes tinham sintomas tipicamente psiquiátricos, sem sinais de outras doenças neurológicas ou contextos ambientais extremos que pudessem explicar, sozinhos, o quadro.
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Para os cientistas, esse padrão reforça a ideia de que, em um grupo específico de pessoas, a mutação em um único gene pode ter um papel decisivo no surgimento da doença – algo bem diferente de “um gene da esquizofrenia”, rótulo simplista que o próprio estudo evita.
O relatório também recupera resultados de pesquisas anteriores que tentaram corrigir, ao menos em parte, o defeito causado pela mutação no GRIN2A. Nesses trabalhos, a deficiência do receptor NMDA foi abordada com L-serina, um aminoácido que o corpo produz e que também pode ser encontrado em suplementos.
Quatro pacientes com esquizofrenia, todos com a mesma alteração genética, receberam L-serina sob supervisão médica. Segundo os autores, eles apresentaram melhora expressiva: alucinações desapareceram, delírios persecutórios recuaram e o comportamento diário ficou mais organizado.
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À primeira vista, a história parece a de uma nova terapia promissora. Mas os próprios pesquisadores fazem questão de puxar o freio. Esse ensaio foi pequeno, realizado antes do estudo atual e sem o rigor de um teste clínico robusto.
Para que a L-serina seja considerada de fato uma opção terapêutica, será preciso testá-la em um grupo maior, em um estudo randomizado, prospectivo e duplo-cego – o padrão de ouro da pesquisa médica.
Até lá, a mensagem é clara: não se trata de uma “cura” nem de um tratamento aprovado. Pessoas com esquizofrenia ou outros transtornos não devem usar L-serina por conta própria, sem indicação e acompanhamento médico.
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A esquizofrenia é um transtorno mental grave, marcado por delírios, alucinações, pensamento e fala desorganizados, mudanças de comportamento e perda de motivação ou prazer.
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 23 milhões de pessoas convivem com a doença no mundo. Isso representa aproximadamente 0,29% da população global; entre adultos, a taxa sobe para 0,43%, o que equivale a 1 em cada 233 pessoas.
Os médicos já conhecem bem os principais sintomas e as faixas etárias em que a esquizofrenia costuma aparecer.
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Existem tratamentos eficazes para controlar crises e melhorar a qualidade de vida, e diversos fatores de risco são reconhecidos, da genética à exposição a drogas, passando por estresse intenso e complicações na gestação ou no parto.
Mesmo assim, continua difícil explicar por que algumas pessoas adoecem e outras não, mesmo dentro da mesma família.
Há casos em que ambos os pais têm esquizofrenia, mas os filhos nunca desenvolvem o transtorno. Em outros, a doença surge em alguém sem histórico familiar aparente. Ainda não existe, por exemplo, uma estratégia clara de prevenção que funcione para toda a população.
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É justamente aí que a descoberta sobre o GRIN2A ganha relevância. Ao apontar um grupo específico de pacientes com risco genético elevado, o estudo abre a possibilidade de, no futuro, criar planos de acompanhamento mais individualizados.
Isso poderia incluir desde monitoramento clínico mais frequente até intervenções precoces quando surgirem os primeiros sinais de alteração de humor, pensamento ou comportamento.
Por enquanto, nada muda de forma imediata para quem vive com esquizofrenia ou tem histórico familiar da doença. A pesquisa não leva à criação instantânea de um teste genético de rotina, nem justifica rastrear em massa a população em busca da variante no GRIN2A.
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O que ela faz é adicionar uma peça importante ao quebra-cabeça da saúde mental. Mostra que, para uma parcela dos casos, um único gene pode pesar muito mais do que se imaginava.
E sinaliza que, combinando genética, neurologia e acompanhamento clínico, será possível entender melhor quem está em maior risco e como agir antes que o transtorno se instale por completo.
A esquizofrenia segue sendo um enorme enigma científico e humano. A nova descoberta não resolve o mistério, mas ilumina um caminho: o de olhar para o cérebro com mais precisão, sem reduzir a doença a rótulos simplistas, e de apostar em tratamentos que respeitem as particularidades de cada paciente.
Entre o entusiasmo com as possibilidades futuras e a necessidade de prudência, o recado dos pesquisadores é duplo: há motivos para ter esperança, mas ela precisa vir acompanhada de ciência rigorosa, acompanhamento médico e informação de qualidade para pacientes, famílias e sociedade.
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