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Se a vila voltará a ser habitada, se ganhará função cultural ou se será transformada em outro tipo de equipamento ainda é incerto. | Reprodução YT/ Marcel Jurado - FPV BACANA
A poucos metros do movimento constante da Rua Conselheiro Rodrigues Alves, um pedaço raro da São Paulo do começo do século 20 segue em silêncio.
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A Vilinha da Vila Mariana, no número 289, conserva sete sobrados antigos dispostos em torno de um pátio central arborizado, um respiro que lembra cidades pequenas e quintais compartilhados.
Desde 2017, no entanto, o que poderia ser um oásis urbano vive entre tapumes e incertezas. O conjunto está fechado, sem moradores, em um limbo jurídico que impede reformas, manutenção ou qualquer uso mais amplo do espaço.
Construída entre as décadas de 1920 e 1930, a vilinha é uma das poucas vilas residenciais remanescentes na cidade de São Paulo.
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A arquitetura original segue ali: casas geminadas, fachadas simples, janelas de madeira e um pátio central que funcionava como área de convivência.
O terreno reúne os sete sobrados e uma grande área ao ar livre, que recebia festas, encontros e eventos organizados pelos moradores.
Embora fosse essencialmente residencial, a vila não tinha portões e permanecia aberta ao público, permitindo a circulação de vizinhos e visitantes do bairro.
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Hoje, o cenário é outro. A área está vazia e cercada por tapumes, um contraste evidente com o entorno movimentado da Vila Mariana, onde prédios altos e novos empreendimentos disputam espaço com o que ainda resta de construções históricas.
Toda a Vilinha da Vila Mariana pertencia a um único proprietário, que decidiu vendê-la a uma incorporadora em 2017. Com a transação, os inquilinos foram comunicados que deveriam desocupar o espaço, que seria demolido para a construção de um novo empreendimento.
A comunidade local, porém, reagiu. Moradores e vizinhos se mobilizaram, questionaram o projeto e buscaram apoio de entidades ligadas à preservação.
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A pressão resultou em uma ordem judicial que impediu a demolição dos sobrados, interrompendo os planos da incorporadora.
O efeito colateral foi a criação de um impasse. Sem autorização para demolir e sem definição clara sobre o futuro do conjunto, a vilinha passou a viver um período de abandono. Ao mesmo tempo, o caso reacendeu o debate sobre o destino de imóveis históricos em áreas valorizadas da cidade.
Logo após a decisão que barrou a demolição, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) abriu o processo de tombamento da região.
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A discussão é relativamente recente em termos de processo formal, mas o desejo de ver a área protegida é antigo.
Desde 2006, moradores e ex-moradores da Vilinha da Vila Mariana já haviam se mobilizado para tentar transformar o conjunto em patrimônio histórico.
O temor era que a vila desaparecesse sem registro, engolida pelo avanço dos empreendimentos imobiliários na Vila Mariana.
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O tombamento, se confirmado, pode garantir a preservação das casas e do traçado da vila, mas também levanta outra questão: como reocupar e revitalizar um espaço que carrega tantas camadas de memória, sem perder sua identidade original?
Entre as pessoas que mais acompanharam de perto a transformação do lugar está a atriz e cineasta Ana Petta, que morou por 14 anos em um dos sobrados.
A saída forçada e o abandono do espaço deram origem ao documentário “Amora”, dirigido por ela em meio ao imbróglio judicial.
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O filme adota o ponto de vista de Pedro, um dos filhos de Ana, que nasceu e cresceu na vilinha. A partir das lembranças da infância, o documentário reconstitui o cotidiano do espaço, com suas árvores, brincadeiras no pátio e relações de vizinhança que iam além das paredes das casas.
Mais do que registrar a arquitetura, “Amora” lança um olhar sobre o vínculo afetivo com o território e sobre o cuidado com o patrimônio histórico.
Ao mesmo tempo, evidencia a deterioração do conjunto após a saída dos moradores e o fechamento dos sobrados.
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O filme estreou na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo 2025 e foi destaque em festivais no México e no Uruguai, ampliando o alcance da história da Vilinha da Vila Mariana e fortalecendo o debate sobre a preservação de espaços históricos e afetivos na capital paulista.
Enquanto o processo de tombamento segue em análise, a Vilinha da Vila Mariana continua lentamente. O conjunto que já foi cenário de festas, brincadeiras e refeições compartilhadas enfrenta a ação do tempo, a falta de manutenção e a pressão do mercado imobiliário no entorno.
Por outro lado, o caso da vilinha ajudou a recolocar no mapa urbano a importância das pequenas arquiteturas da cidade: vilas, pátios, quintais coletivos e corredores que guardam histórias do cotidiano, nem sempre registradas em livros ou placas oficiais.
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Se a vila voltará a ser habitada, se ganhará função cultural ou se será transformada em outro tipo de equipamento ainda é incerto.
Mas, para quem passa pela Rua Conselheiro Rodrigues Alves e observa, entre frestas, o que restou daquele pátio arborizado, fica a sensação de que São Paulo ainda guarda pedaços discretos da própria memória, à espera de uma nova chance de existir.
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