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Um movimento que celebra ancestralidade, ressignifica beleza e transforma vidas em todo o país | Freepik
A Estética Afrocentrada (EAC) vai muito além de uma simples tendência de moda. Na verdade, ela é um movimento sociopolítico e um campo de estudo com raízes profundas no Pensamento Afrocentrado, buscando uma reconfiguração epistemológica e estética da beleza que desafia diretamente o padrão eurocêntrico e a lógica do capitalismo predatório.
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Ao valorizar a ancestralidade e a identidade negra, a EAC funciona como um ato fundamental de insurgência contra séculos de exclusão e violência simbólica.
Historicamente, o corpo negro foi transformado em uma arena de dominação, onde o colonialismo instigou o desejo de branqueamento nas populações e um profundo sentimento de inferioridade.
Contudo, ao reivindicar elementos como cabelos naturais e vestimentas africanas, a EAC se estabelece como um ato político de desobediência corporal e intelectual, essencial para a resistência social e para desmantelar a chamada ditadura da beleza, que opera sob o amparo do racismo estrutural.
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Consequentemente, essa estética decolonial não apenas celebra a aparência, mas também atua como uma forma de terapia cultural e racial, necessária para reverter os graves impactos subjetivos e coletivos causados pela internalização do racismo e pela baixa autoestima.
Vamos explorar agora como esse poderoso movimento está transformando o mercado, a moda e, principalmente, a identidade de milhões de pessoas.
Você sabia que, apesar de a maioria das mulheres brasileiras possuir cabelos afro-texturizados, esses fios foram amplamente vistos como um problema por muito tempo? A opressão estética era tão forte que a textura do cabelo se tornou altamente suscetível a zombarias e rejeição a partir de idades muito precoces.
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Em resposta a essa exclusão, a Transição Capilar emergiu como um fenômeno sociopolítico notável no cenário brasileiro.
Este movimento estético e político reivindica o cabelo natural como um símbolo inalienável de identidade, refletido no crescimento de 309% na busca por "cabelos afro" no Google nos últimos anos.
Essa jornada é mais do que uma simples mudança cosmética, envolvendo um processo profundo de autoconhecimento e autoestima. Ao conhecer a textura do próprio cabelo, o indivíduo toma para si o seu fortalecimento estético, o que implica reivindicar a sua identidade como pessoa preta da diáspora.
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Assim, a EAC transforma a transição capilar em um processo físico-psicológico de descolonização, alterando o foco da correção do cabelo para o cuidado de uma herança cultural. O Afro Puff, por exemplo, é um dos estilos mais presentes nessa trajetória e um manifesto visual de poder e beleza natural.
As tranças representam uma das formas mais antigas e simbólicas de expressão estética africana. A prática do trançado possui uma história milenar, remontando a 3.500 a.C. na África, e era utilizada para identificar diversos fatores dentro das tribos, como idade, riqueza e poder hierárquico.
A Trança Nagô, ou trança embutida, consolidou-se na diáspora como um poderoso símbolo de resiliência e orgulho pela ancestralidade. Ela remete à memória comum de mães ou avós trançando o cabelo de crianças, mesmo naquelas famílias que não mantiveram o costume diretamente.
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A história popular de resistência sugere que certos desenhos nas tranças funcionavam como sinais ou mapas utilizados pelas pessoas escravizadas para organizar fugas da sociedade escravocrata.
A utilização contemporânea das tranças é, portanto, um manifesto visual contra a discriminação e uma forma de reconexão com as raízes africanas.
A prática do trançado está intrinsecamente ligada ao fortalecimento do afro-empreendedorismo. Em salões de beleza étnicos, o conhecimento técnico de trançar é transmitido pela oratura e pela crespografia, impulsionando a geração de renda e a autonomia profissional para homens e mulheres negras.
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A Estética Afrocentrada estende-se ao vestuário, onde a moda atua como uma plataforma de narrativa cultural e ativismo social.
O design afrocentrado baseia-se na importância histórica e cultural dos tecidos tradicionais africanos, como a produção de tecidos índigo dos povos Yorubá na Nigéria, usando-os como inspiração para o design contemporâneo.
No Brasil, estilistas negros e indígenas, como Isaac Silva, Jal Vieira e We'e'ena Tikuna, usam a moda como um veículo ativista que desafia o preconceito racial. Suas criações promovem uma desracialização da moda nacional, propondo uma linguagem autoral que celebra a diversidade.
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Um diferencial crucial desse movimento é o compromisso com a interseccionalidade e a inclusão. A EAC se destaca por valorizar a beleza de corpos reais, contrapondo-se aos padrões de magreza e normatividade impostos pela indústria hegemônica.
Coletivos de moda priorizam a representatividade de corpos negros, gordos, pessoas LGBTQIAPN+ e pessoas com deficiência, demonstrando que a EAC é uma estética de inclusão total, atuando como uma crítica abrangente ao sistema de exclusão.
Este movimento cultural impulsionou uma verdadeira revolução silenciosa no mercado de estética e beleza negra. O mercado global focado nesse público está avaliado em US$ 9,2 bilhões, com projeções que indicam um crescimento anual de 13,2%, mais que o dobro da média para produtos de beleza em geral.
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O afro-empreendedorismo é a resposta direta a essa demanda, com o surgimento de marcas fundadas por empreendedores negros, como Negra Rosa e Lunnare Co.
Muitas fundadoras iniciaram suas empresas após notarem a raridade de produtos concebidos "por nós e para nós", que atendessem aos diversos tons de pele e tipos de cabelo afro.
Essa ascensão de mercado configura uma correção econômica e social impulsionada pela busca por reparação da autoestima. O capital gerado pelo afro-empreendedorismo é reinvestido na comunidade, substituindo o ciclo de opressão por um ciclo de autonomia duradoura.
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Para manter a força do movimento, é fundamental que profissionais negros liderem pesquisas e a formação de outros especialistas, garantindo que o protagonismo da estética preta não seja apenas mercantilizado.
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