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Debates Contemporâneos

Uma vida transformada pela educação 

Minha história é de superação, mas precisamos ter em mente que não podemos deixar as crianças por conta da sorte e do imponderável

Bruno Hoffmann

31/08/2022 às 13:27  atualizado em 31/08/2022 às 13:29

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Cris Monteiro (Novo) é vereadora na cidade de São Paulo pelo Novo

Cris Monteiro (Novo) é vereadora na cidade de São Paulo pelo Novo | Ettore Chiereguini/Gazeta de S. Paulo

Caro leitor, nesta minha primeira coluna, sob o risco de ser chamada de narcisista ou mesmo ser autorreferente, falarei sobre mim. Mas espero que, ao ler o epílogo, eu seja perdoada.

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Pois bem, eu nasci em um subúrbio do Rio de Janeiro, filha de uma empregada doméstica que mal sabia escrever seu nome e de um sargento da aeronáutica e taxista que havia cumprido apenas o ensino fundamental. Portanto, os prognósticos para o meu futuro não eram dos mais promissores. 

Para dar um tom mais funesto ainda na minha história, ainda muito pequena, eu desenvolvi uma condição autoimune chamada alopecia areata – sim, aquela mesma condição que a esposa do Will Smith também tem e que, graças às mídias sociais, agora é muito mais conhecida. Essa condição me acompanha até hoje, sendo eu uma mulher careca. 

Na década de 60, quando eu nasci, numa família com poucos recursos, não tínhamos TV ou outras distrações mais tecnológicas presentes em nossos dias, e o acesso à informação era muito precário. Sem TV, iphone, ipads e outros gadgets, a diversão da garotada era garantida nas brincadeiras de rua. Os jogos de esconde-esconde, queimada, polícia e bandido, peteca, eram opções incríveis e imperdíveis após a escola. Mas criança é criança, independente da década: faziam bullying com a garota carequinha, que com o tempo passou a não querer brincar na rua, ficou reclusa, tímida e estranha. 

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Para me manter minimamente distraída, meu pai me dava mais e mais lições e livros que caíssem nas mãos dele e isso foi um grande diferencial na minha vida. Enquanto a molecada se divertia, eu tinha muito mais horas de estudo. 

Encurtando a história, ingressei no mercado de trabalho como recepcionista. Depois fui para um banco, como operadora de telex (quem lembra disso?), resolvi fazer faculdade e, como estudei em escola pública, acabei em uma faculdade mediana privada, estudando à noite após o trabalho. Me formei em Ciências Contábeis e consegui uma posição na área de auditoria. Começava minha trajetória profissional de sucesso, mas também de inúmeras dificuldades para me encaixar nesse lugar tão diferente de onde eu vinha.  

Rapidamente me dei conta da desigualdade social: morava longe, não usava as mesmas roupas bacanas como eles, não viajava, minha conversa era diferente, eu não pertencia àquele lugar. Mas, em algum dia qualquer desse caminho, resolvi que faria parte daquele mundo. Com muito esforço, me tornei diretora do maior banco de investimentos americano, o JPMorgan, falo inglês e espanhol fluentes, viajei, fui a museus, concertos, exposições, li livros inspiradores, tive acesso à cultura. 

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Pude cuidar da minha saúde física e mental – me transformei em uma mulher interessante, bem-sucedida e admirada por muitos pela trajetória de superação. Mas posso falar com propriedade – não foi fácil. A vida me cobrou um preço alto: o conflito por transitar em mundos tão diferentes me fez olhar a família e os amigos do subúrbio sem conseguir me encaixar mais naquela realidade. Ao mesmo tempo, eu me sentia merecedora desse novo lugar que eu havia conquistado a duras penas. 

Eu vim de um lugar muito diferente daquele que meus colegas de profissão vieram. Sempre me pergunto se eu poderia ter conquistado mais ou se o trajeto teria sido menos penoso caso eu tivesse estudado nas mesmas escolas que muitos dos meus colegas do “novo lugar” onde queria estar. 

Mas, leitor, o meu sucesso não foi resultado apenas do meu esforço hercúleo, contei com a ajuda da sorte e do imponderável: uma condição de saúde que exigiu de meus pais um cuidado extraordinário e que fez nascer uma mulher diferenciada no meio de tantos problemas. 

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No Brasil, histórias de superação como a minha costumam ser idealizadas, afinal sempre romantizamos as conquistas dos que saíram da periferia e tiveram sucesso. No entanto, apesar de fundamental, o esforço próprio não é o único fator determinante do sucesso dessas pessoas. Por isso, nós precisamos ter em mente que não podemos deixar as crianças por conta da sorte e do imponderável, sob o risco de perdermos talentos incríveis que poderiam contribuir para a sociedade. 

Espero que, o que parecia ser uma história pessoal, tenha mostrado meu interesse pela educação de qualidade, e que a meritocracia seja proclamada desde que todos partam do mesmo lugar. Portanto, caro leitor, desta forma me apresento a você. Hoje fico por aqui, mas tem muito mais histórias além dessas. Muito prazer, Cris Monteiro.

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