Entre em nosso grupo
2
Continua depois da publicidade
A região onde Lula cresceu como sindicalista hoje é dominada pela direita | Rep/Youtube e Ettore Chiereguini/Gazeta
Nas décadas de 1970 e 1980, o ABC Paulista se transformou num grande palco para o sindicalismo. O grande crescimento das indústrias uniu os trabalhadores, que lutavam por seus direitos. Mas, em 2025, o cenário é completamente diferente.
Continua depois da publicidade
As indústrias foram embora, a esquerda ficou enfraquecida e a extrema direita conquistou o seu espaço. Das sete cidades que compõem o Grande ABC, cinco são governadas por políticos da direita ou extrema direita.
Mas, afinal, onde foi parar todo o espírito do sindicalismo e da esquerda? Rafael Villa, doutor e professor de Ciência Política da USP, explica, em entrevista à Gazeta, que o ABC segue a tendência política global, mas tem algumas particularidades.
A direita e a extrema direita vêm crescendo mundialmente. O principal exemplo disso é o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. O líder republicano apoia abertamente pautas contra os direitos humanos e prega o conservadorismo, com um governo de personalidade extremista.
Continua depois da publicidade
Outro exemplo é a Alemanha, que será governada por um partido de extrema direita pela primeira vez desde o fim do nazismo em 1945. Mesmo um país que sofreu tanto com um regime direitista está seguindo essa tendência mundial.
Rafael Villa explica que o interesse da população pela extrema direita está diretamente relacionado ao enfraquecimento da economia, e compara o cenário com o período entre a primeira e a segunda guerras mundiais.
Segundo o professor, quando há alta no desemprego, as promessas desses grupos ganham mais força.“Até mesmo as pessoas que não concordam 100% com as ideias da extrema direita acabam apoiando seus partidos, por conta da esperança de mais empregos e de uma mudança de vida”, explica.
Continua depois da publicidade
Villa ressalta que o conservadorismo não ganha força do nada. “Esses movimentos [de extrema-direita] conseguem dar sentido a crenças que pessoas já tinham guardadas em um baú, porque não eram aceitos na sociedade”.
Para o professor, grande parte dos eleitores da direita é composta de pessoas que já tinham pensamentos conservadores, mas que não os expressavam por medo de julgamento.
Ele destaca, ainda, a importância dos líderes nesse cenário.“Quando essa pessoa encontra um líder que fala exatamente o que ela pensa, ela vai levar esse apoio ao voto, e assim são eleitas essas figuras”.
Formado pelas cidades de São Bernardo do Campo, Santo André, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, o ABC cresceu exponencialmente a partir dos anos 1950.
Continua depois da publicidade
Indústrias multinacionais, especialmente montadoras, se instalaram na região. A cultura local foi criada junto com essas empresas, especialmente focada na sindicalização. Mais do que apenas representações operárias, os sindicatos acabaram se tornando referências nacionais, com grande poder político.
Apesar do grande triunfo, o ABC foi aos poucos sendo abandonado pelas indústrias. Em 2019, por exemplo, a Ford encerrou suas atividades em São Bernardo do Campo depois de mais de 50 anos de indústria ativa. Cerca de 750 trabalhadores foram dispensados.
A Volkswagen, tradicional da mesma cidade, demitiu 800 trabalhadores em 2015, apesar de continuar em atividade. Já a fábrica de caminhões da Mercedes Benz, na mesma cidade, demitiu 3,6 mil trabalhadores de uma vez em 2022.
Continua depois da publicidade
Segundo Rafael Villa, isso mostra por que o ABC é um caso curioso. O fechamento em massa das empresas fez muitos trabalhadores mudarem de profissão, migrando da indústria para o setor de serviços.
“As multinacionais eram um porto-seguro para os trabalhadores. Eles acreditavam que teriam estabilidade trabalhando nelas, então o fechamento é um golpe muito grande para a população”, diz.
Mas os trabalhadores não levaram esse golpe calados. Segundo o professor, a depressão econômica criou uma revolta contra os sindicatos e a esquerda. Muitos tiveram que mudar completamente o rumo de suas vidas e culparam essas entidades.
Continua depois da publicidade
“Houve uma redução significativa do poder aquisitivo das famílias e da qualidade de vida. É neste momento que os grupos políticos que estavam surgindo se aproveitam da fragilidade e fazem uma propaganda de mudança radical”.
Unindo ideias que muitos já deixavam guardadas com uma promessa de vida melhor, os grupos de direita conseguiram conquistar massas de trabalhadores, antes ligados à esquerda e ao sindicalismo.
A direita praticamente dominou as prefeituras da região. Nas últimas eleições municipais,seis das sete cidades passaram a ter maioria direitista em suas câmaras.
Continua depois da publicidade
São Bernardo, local onde o PT nasceu e ganhou força — e onde o presidente Lula morou maior parte da vida —, teve um segundo turno disputado por dois candidatos de direita. Marcelo Lima (Podemos) levou a prefeitura.
A composição da Câmara dos Vereadores não foi diferente. Das 28 cadeiras, 24 são ocupadas por partidos de direita. Apenas 24% dos votos para vereadores eleitos foram para candidatos esquerdistas.
A bancada conservadora também se consolidou em Santo André, São Caetano e Rio Grande da Serra. Até mesmo em Mauá, onde Marcelo Oliveira (PT) foi eleito, a Câmara é de maioria direitista.
Continua depois da publicidade
Em Ribeirão Pires o fenômeno foi ainda mais forte. Além do prefeito Guto Volpi (PL), os candidatos de direita ocupam 16 das 17 cadeiras da Câmara. A esquerda teve apenas 4,2% dos votos para eleitos.
Apenas na cidade de Diadema a divisão está equilibrada. Por lá, 11 dos 21 vereadores são de partidos da esquerda. Isso mostra a mudança do cenário político local, onde partidos de direita nunca tiveram um espaço tão grande.
Os prefeitos de Diadema sempre seguiram a pauta social, e a esquerda seguiu imbatível desde a redemocratização do Brasil. Mas a mudança brusca aconteceu em 2024, quando Taka Yamauchi (MDB), defensor das pautas direitistas, levou a eleição contra um candidato do PT.
Continua depois da publicidade
O Grande ABC tem uma história única e segue tendências eleitorais específicas. Apesar disso, a ascensão global da extrema direita já se reflete na região e promete conquistar ainda mais espaço. O que resta é a má fama do sindicalismo para alguns e a esperança que a esquerda se reestruture para outros.
Continua depois da publicidade
Continua depois da publicidade
Continua depois da publicidade