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Novo prédio do Hospital Pérola Byington, no centro de SP. | Reprodução/Google Street View
Inaugurado há pouco mais de um mês e referência na realização de abortos legais, o Hospital da Mulher (antigo Pérola Byington) está suspendendo esses procedimentos ou transferindo as pacientes para outras unidades desde a última quinta-feira (13).
Só nesta semana, ao menos nove pacientes tiveram suas cirurgias de interrupção da gravidez canceladas, remarcadas ou transferidas para o Hospital Estadual da Vila Alpina, para o Hospital Estadual de Sapopemba ou para o Hospital Geral de Itapecerica da Serra, não especializados nesse tipo de procedimento.
Uma das pacientes, vítima de estupro, está na 18ª semana de gestação e aguardava desde domingo o abortamento legal. Nesta quarta, foi transferida para a unidade em Sapopemba.
Superintendente do Seconci-SP (Serviço Social da Construção Civil de São Paulo), responsável pela gestão da bata branca do hospital -a parte que envolve os profissionais de saúde-, Paulo Sergio Leme Quintaes disse que as transferências ocorreram visando à segurança das pacientes. Segundo ele, o centro cirúrgico do novo hospital só deve começar a realizar cirurgias eletivas na próxima segunda (24).
De acordo com profissionais da saúde que atuam no hospital e que pedem anonimato, o problema é a falta de estrutura. No sábado (15), não havia antirretrovirais, e pacientes que chegavam após serem estupradas foram encaminhadas ao Instituto Emílio Ribas.
Nesta quarta (19) pela manhã, faltavam imunoglobulina e vacina para hepatite B. Sem a profilaxia no tempo adequado, prevista na Lei do Minuto Seguinte, as pacientes ficam mais sujeitas a doenças sexualmente transmissíveis.
Nos casos das gestantes, um dos grandes problemas do atraso no atendimento é a mudança no tipo de procedimento necessário para a interrupção da gestação. Até 12 semanas, as pacientes fazem uso de medicamento abortivo, passam por aspiração manual intrauterina e têm alta no final do dia.
Após esse período, a mulher precisa ser internada para a indução do trabalho de parto, o que pode demorar dias para acontecer. Além do impacto físico, a espera causa grande sofrimento psíquico.
O quadro é diferente do anunciado pelas gestões municipal e estadual no último dia 11. Na ocasião, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), o governador em exercício, Carlão Pignatari (PSDB), e o secretário de Estado da Saúde, Jean Gorinchteyn, foram ao Hospital da Mulher para entregar as instalações do programa Bem-me-Quer, de atendimento integrado às vítimas de violência sexual, e ressaltaram a qualidade do serviço.
Os gestores anunciaram ampliação do programa, mas a Folha de S.Paulo apurou que o hospital já estava com déficit de funcionários e não houve contratações para o atendimento multidisciplinar a vítimas de abuso. Quintaes diz que novos funcionários serão contratados de acordo com a demanda do serviço.
O problema não se restringe às pacientes vítimas de violência sexual e aos abortamentos legais. A professora Sandra Gonçalves, 52, é paciente do hospital há nove anos e foi surpreendida nesta terça (18) com a falta do quimioterápico oral capecitabina, indicado para tratamento de pacientes com câncer de mama com metástases.
Aos 43 anos, ela teve diagnosticado um tumor de mama, depois apresentou metástase óssea e há um mês descobriu uma infiltração na medula, sugestiva de leucemia.
Na terça (18), foi ao hospital fazer exames para checar a imunidade, condição para poder receber a quimioterapia. "Estava tudo ok, fui liberada para o tratamento, mas não tinha a medicação, não me entregaram."
Para não perder o início do protocolo de tratamento, que prevê seis ciclos (de sete dias tomando comprimidos em casa e sete dias de descanso), utilizará o medicamento que recebeu em uma doação. "É uma corrida contra o tempo, não pode falhar um dia, não pode falhar nada. A doação será suficiente para cinco dias. Se eu não conseguir nos próximos dias, o tratamento estará comprometido."
Cirurgias oncológicas também estão sendo adiadas. A dona de casa Nominanda de Souza Mariá, 59, estava com o procedimento de retirada do tumor na mama direita agendado para esta quarta (19). Como não recebeu o telefonema informando o horário da internação, foi ao hospital na terça já com a mala pronta para permanecer na unidade e descobriu que não haveria cirurgia.
"Disseram que eu podia voltar para casa porque a cirurgia havia sido desmarcada. Perguntei então se tinham previsão e me disseram que não."
Após procurar a assistente social e a ouvidoria do hospital, foi orientada a ligar na próxima segunda (24) para obter informações. "Quando me falaram, fui para um cantinho no hospital e chorei, chorei. Choro porque estou desesperada. Não vejo a hora de me livrar dessa doença, de ficar em paz. É uma falta de respeito", desabafa.
Na última quinta, o Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo) e o SindSaúde (Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde do Estado de São Paulo) publicaram uma carta relatando problemas no hospital. No documento, as entidades listam o fim da farmácia ambulatorial e de interconsultas com diferentes especialidades, o que forçaria as pacientes a buscar remédios em outros locais e a entrar na fila de atendimento geral do SUS para serem atendidas por especialistas como pneumologistas.
As reclamações também chegaram à Assembleia Legislativa e, nesta quarta, a deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL) disse em suas redes sociais que protocolou requerimento pedindo explicações ao hospital e à Secretaria de Estado da Saúde pela demora para consultas e exames, entrega e aplicação de medicamentos, falta de EPIs (equipamentos de proteção individual) para funcionários e problemas na oferta de alimentação para pacientes internadas e seus acompanhantes.
Questionado sobre os problemas apontados, o superintendente do Seconci-SP afirmou que eles ocorreram devido à dificuldade de transferir diversos setores em um único dia e que não era possível segmentar esse processo por serem áreas interligadas.
Ele afirmou que todos os suprimentos começaram a ser transferidos no dia 13, para evitar o desabastecimento do antigo hospital, e que até esta terça ainda estavam sendo registrados no estoque e levados para o AME Dr. Geraldo Paulo Bourroul, na Rua Martins Fontes. O local realizará a dispensação de medicamentos para pacientes do Hospital da Mulher até que o sistema de entrega domiciliar seja implantado.
"Qualquer paciente que deveria ter recebido medicação, incluindo quimioterápicos orais, mas não conseguiu pode procurar o hospital e, com a prescrição, ir ao AME", disse Quintaes.
Em relação às cirurgias, ele afirmou que as pacientes que tiveram procedimentos cancelados serão contatadas nos próximos dias para que as operações ocorram em até duas semanas.
O superintendente negou mudanças nas interconsultas e nos remédios que serão disponibilizados. Além disso, afirmou que qualquer problema na oferta de alimentação foi normalizado e que as equipes ainda estão passando por treinamento e adaptação.
"Estamos trocando o pneu com o carro em movimento. Garanto que daqui a um mês ou menos vocês poderão nos visitar e constatar a excelência no atendimento."
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