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Cotidiano

Se você criticar o governo na China pode ser levado a um hospital psiquiátrico

Entre 2013 e 2017, mais de 200 pessoas relataram terem sido internadas, injustamente, em hospitais psiquiátricos pelas autoridades chinesas

Julia Teixeira

05/09/2025 às 15:36  atualizado em 05/09/2025 às 17:37

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Influenciadora chinesa é interada após denunciar caso de assédio sexual por parte de um policial

Influenciadora chinesa é interada após denunciar caso de assédio sexual por parte de um policial | Foto: Reprodução/Douyin

Quando tinha apenas 17 anos, Zhang Junjie tomou a decisão de se manifestar em frente à sua universidade, protestando contra as políticas do governo chinês adotadas durante a pandemia de Covid-19. Em poucos dias, ele foi internado em uma clínica psiquiátrica, recebendo o diagnóstico de esquizofrenia.

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Junjie é uma das dezenas de indivíduos que a BBC conseguiu identificar, pessoas hospitalizadas à força após protestarem ou entrarem em conflito com as autoridades.

Influenciadora chinesa é uma das 200 pessoas a serem internadas em hospitais psiquiátricos após denunciarem abusos por parte de autoridades. Foto: Reprodução/Douyin
Influenciadora chinesa é uma das 200 pessoas a serem internadas em hospitais psiquiátricos após denunciarem abusos por parte de autoridades. Foto: Reprodução/Douyin
As vítimas relatam sofrerem até mesmo choques elétricos no cérebro como forma de "tratamento". Foto: Reprodução/Freepik
As vítimas relatam sofrerem até mesmo choques elétricos no cérebro como forma de "tratamento". Foto: Reprodução/Freepik

Muitos dos entrevistados relataram ter sido submetidos a medicação antipsicótica e, em certos casos, a eletroconvulsoterapia (ECT), sem que tivessem dado seu consentimento.

Há décadas, circulam relatos sobre o uso de internações psiquiátricas na China como um meio de reter cidadãos que desafiam o sistema, sem a necessidade de um processo judicial. A BBC, no entanto, descobriu que um problema que a legislação mais recente buscou resolver ressurgiu com força nos últimos tempos.

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A experiência de Zhang

Sua provação teve início em 2022, quando ele se manifestou contra as rigorosas políticas de lockdown da China devido à pandemia de Covid-19. Ele relata que, após apenas cinco minutos, seus professores o identificaram e contataram seu pai, que o levou de volta para casa.

Segundo Junjie, foi seu pai quem chamou a polícia, e no dia seguinte — em seu 18º aniversário —, dois homens o conduziram ao que ele pensava ser um centro de testes de Covid-19, mas que era, na realidade, um hospital.

"Os médicos disseram que eu tinha um transtorno mental muito sério… Depois, fui amarrado a uma cama. Enfermeiros e médicos repetidamente me diziam que, por causa das minhas opiniões sobre o partido e o governo, eu devia ser mentalmente doente. Foi apavorante", ele compartilhou com a BBC World Service.

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Sua permanência ali durou 12 dias.

Junjie acredita que seu pai se sentiu pressionado a entregá-lo às autoridades devido à sua própria posição de funcionário do governo local.

Cerca de um mês após sua alta, Junjie foi detido novamente. Desafiando a proibição de soltar fogos de artifício no Ano Novo Chinês, ele gravou a si mesmo fazendo isso. Alguém postou o vídeo online, e a polícia conseguiu rastreá-lo até Junjie.

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Ele foi acusado de "provocar tumulto e criar problemas", uma acusação frequentemente utilizada para reprimir críticas ao governo chinês. Junjie conta que foi novamente internado à força por mais de dois meses.

@bbcnewsbrasil

"Eles me amarraram a uma cama": os hospitais psiquiátricos usados para silenciar críticos na China Uma investigação da BBC Eye identificou 59 pessoas que foram detidas à força em hospitais psiquiátricos na China após protestarem ou apresentarem queixas às autoridades. Essa prática, que alguns na China estão chamando de "ser mentalmente adoecido", foi declarada ilegal há uma década. Pela primeira vez, psiquiatras chineses que trabalham nesses hospitais conversaram com a BBC sobre esses abusos. Um renomado advogado na China confirmou que essa prática tem aumentado recentemente. Veja mais detalhes no vídeo. #BBCNewsBrasil #china #abusopsiquiatrico #BBCEye #investigacao #tiktoknotícias

som original - BBC News Brasil

A questão da saúde mental e controle político

Após a alta, Junjie recebeu uma receita de medicamentos antipsicóticos. A BBC teve acesso à receita, que era de Aripiprazol, um fármaco usado para tratar esquizofrenia e transtorno bipolar.

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"Tomar o remédio me fazia sentir como se meu cérebro estivesse em desordem", ele afirma, adicionando que a polícia ia até sua casa para garantir que ele estava tomando a medicação.

Com medo de uma terceira internação, Junjie decidiu deixar a China. Ele disse aos pais que voltaria à universidade para arrumar seu quarto, mas, na verdade, fugiu para a Nova Zelândia.

Ele não se despediu nem de sua família, nem de seus amigos.

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Junjie é uma das 59 pessoas que a BBC confirmou – por meio de entrevistas com eles ou seus parentes e análise de documentos judiciais – que foram internadas por motivos de saúde mental após se manifestarem ou confrontarem as autoridades.

A questão foi reconhecida pelo próprio governo chinês: a Lei de Saúde Mental de 2013 visava coibir esse tipo de abuso, criminalizando o tratamento de pessoas que não têm transtornos mentais.

A lei também estipula que a internação psiquiátrica deve ser voluntária, exceto se o paciente representar um perigo para si ou para outros.

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De fato, o número de indivíduos detidos em hospitais de saúde mental contra sua vontade tem crescido recentemente, conforme relatou um proeminente advogado chinês à BBC World Service.

Huang Xuetao, um dos envolvidos na criação da lei, atribui esse retrocesso ao enfraquecimento da sociedade civil e à falta de mecanismos de controle.

Testemunho de outras vítimas

Um ativista, chamado Jie Lijian, nos contou que recebeu tratamento para um transtorno mental sem sua permissão em 2018.

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Lijian relata que foi preso por participar de um protesto por melhores salários em uma fábrica. Ele alega que a polícia o interrogou por três dias antes de levá-lo para uma instituição psiquiátrica.

Assim como Junjie, Lijian diz que recebeu medicamentos antipsicóticos que, segundo ele, prejudicaram sua capacidade de raciocínio.

Após uma semana internado, ele afirma ter recusado mais medicamentos. Depois de uma discussão com a equipe e de ser acusado de causar problemas, Lijian foi submetido à eletroconvulsoterapia — um tratamento que passa correntes elétricas pelo cérebro do paciente.

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"A dor era da cabeça aos pés. Meu corpo inteiro não parecia mais meu. Foi muito doloroso. Choque elétrico ligado. Depois, desligado. Choque elétrico ligado. Depois, desligado. Desmaiei várias vezes. Pensei que estava morrendo", ele revela.

Ele afirma ter recebido alta após 52 dias. Hoje, ele trabalha em tempo parcial em Los Angeles, EUA, e está buscando asilo no país.

Em 2019, um ano após Lijian ter sido internado, a Associação Médica Chinesa atualizou suas diretrizes de ECT, determinando que o tratamento só deve ser aplicado com consentimento e sob anestesia geral.

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A conivência médica

A BBC foi atrás de entender melhor o papel dos médicos nesses casos. Porém, falar com a imprensa estrangeira, sem autorização, poderia trazer problemas, então a única opção foi se infiltrar.

O jornal agendou ligações com médicos que trabalham em quatro hospitais que, segundo a investigação, estão envolvidos em internações forçadas.

Utilizaram uma história fictícia sobre um parente que havia sido hospitalizado por postar comentários contra o governo na internet e perguntaram a cinco médicos se eles já haviam lidado com casos de pacientes encaminhados pela polícia.

Quatro deles confirmaram que sim.

"O departamento de psiquiatria tem uma categoria de internação chamada 'encrenqueiros'", nos disse um médico.

Outro médico, do mesmo hospital onde Junjie foi internado, pareceu corroborar a história de que a polícia continua a monitorar os pacientes após a alta.

"A polícia vai checar você em casa para garantir que tome o remédio. Se não tomar, pode infringir a lei novamente", ele afirmou.

Ainda entraram em contato com o hospital em questão para pedir um posicionamento, mas não obtiveram resposta.

A luta jurídica e censura

Entre 2013 e 2017, mais de 200 pessoas relataram ter sido internadas injustamente pelas autoridades, conforme documentado por um grupo de jornalistas cidadãos na China, que registrou abusos da Lei de Saúde Mental.
Suas reportagens foram interrompidas em 2017, porque o fundador do grupo foi detido e, posteriormente, preso. Para as vítimas que buscam reparação, o sistema jurídico parece operar contra elas.

Um homem que, para manter seu anonimato, optaram por chamar de Li, internado em 2023 após protestar contra a polícia local, tentou processar as autoridades por sua detenção.

Diferentemente de Junjie, os médicos disseram a Li que ele não estava doente, mas a polícia contratou um psiquiatra externo para avaliá-lo, que o diagnosticou com transtorno bipolar, e ele foi mantido lá por 45 dias.
Após a soltura, ele decidiu contestar o diagnóstico.

"Se eu não processar a polícia, é como se eu estivesse aceitando que sou mentalmente doente. Isso terá um grande impacto no meu futuro e na minha liberdade, pois a polícia pode usar isso como pretexto para me prender a qualquer momento", ele afirma.

Na China, os registros de qualquer pessoa diagnosticada com um transtorno grave de saúde mental podem ser compartilhados com a polícia — e até mesmo com os comitês de moradores locais.

Mas Li não obteve sucesso: os tribunais rejeitaram seu recurso." Nós ouvimos nossos líderes falarem sobre o Estado de direito", ele nos disse. "Nunca sonhamos que um dia seríamos trancados em um hospital psiquiátrico."

A BBC identificou 112 indivíduos listados no site oficial de decisões judiciais chinesas que, entre 2013 e 2024, tentaram processar a polícia, governos locais ou hospitais por esse tipo de tratamento.

Cerca de 40% dos demandantes estavam envolvidos em queixas contra as autoridades. Apenas dois venceram seus casos.

E o site parece ser censurado: cinco outros casos que a BBC investigou não constam no banco de dados – segundo o próprio jornal. 

A questão é que a polícia goza de "poder discricionário considerável" para lidar com "encrenqueiros", de acordo com Nicola MacBean, da The Rights Practice, uma organização de direitos humanos em Londres.

"Enviar alguém para um hospital psiquiátrico, contornando os procedimentos, é uma ferramenta muito fácil e muito útil para as autoridades locais."

As atenções agora se voltam para o destino da influencer Li Yixue, que acusou um policial de agressão sexual. Yixue teria sido internada recentemente pela segunda vez, depois que suas postagens nas redes sociais sobre o ocorrido viralizaram. Há informações de que ela está agora sob custódia em um hotel.

A BBC apresentou os resultados da investigação à embaixada chinesa no Reino Unido. 

Eles responderam que, no ano passado, o Partido Comunista Chinês "reafirmou" a necessidade de "aprimorar os mecanismos" em torno da lei, que, segundo eles, "proíbe explicitamente a detenção ilegal e outros métodos para privar ou restringir ilegalmente a liberdade pessoal dos cidadãos".

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