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Dona Angelina, cidadã muito conhecida e estimada pela população de Porto Feliz | Domínio público
A foto mostra a saudosa Dona Angelina, cidadã muito conhecida e estimada pela população de Porto Feliz. Ela residia na Rua 16 de Abril, dizia ser filha de escravos e faleceu com idade bem superior aos noventa anos. Seu jeito simples e humilde irradiava a tranquilidade de espírito que a conduziu, de forma altaneira, a enfrentar e vencer as vicissitudes da vida.
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Era de conhecimento público que Dona Angelina gostava de fazer suas apostas no chamado “Jogo do Bicho” que, nos velhos tempos, ainda que de forma um tanto quanto camuflada, despertava o interesse de muitos apostadores.
Na esperança de encontrar o número da sorte, Dona Angelina tinha o costume de examinar as placas dos carros e, obviamente, arriscava seus palpites nas centenas mais inspiradoras. Não sei dizer se alguma vez a saudosa e estimada cidadã porto-felicense teve sucesso nas apostas que fazia.
No final da década de 1980 eu trabalhava em um Escritório de Advocacia no Largo da Penha e certa manhã, quando preparava meus arrazoados, ouvi uma voz melodiosa, de timbre muito bonito, de alguém que entoava com perfeição as músicas do cantor Roberto Carlos. Enquanto escrevia fui ouvindo aquelas canções que, confesso, até me inspiraram no trabalho que eu estava desenvolvendo. Passados uns quinze ou vinte minutos, levado pela curiosidade, fui ver de onde vinham aquelas belas e tão melodiosas interpretações.
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Sentado à porta do Escritório de Advocacia, trajando calça e paletó surrados e da mesma cor, estava um andarilho desconhecido cuja aparência mostrava ter entre trinta e quarenta anos de idade. Seu semblante transmitia bondade e as letras das canções que interpretava, com muito sentimento, pareciam revelar acontecimentos relacionados à sua própria vida.
Fiquei observando à distância aquele jovem andarilho e mil pensamentos me ocorreram. Afinal de contas de onde teria vindo? Quais motivos o teriam feito abraçar uma vida tão incerta, tão triste, tão sofrida? Mergulhado nos meus pensamentos, ouvindo e admirando as interpretações do andarilho, que não ousei interromper, eis que passa pela calçada a saudosa Dona Angelina que, também por admiração, parou diante do desconhecido cantor para apreciar as suas interpretações.
Ao perceber a presença de Dona Angelina, o andarilho cantor terminou sua canção, ficou em pé, colocou a mão no bolso do paletó, e dali retirou uma nota e algumas moedas, as quais gentilmente ofereceu à Dona Angelina, que as recebeu e agradeceu. Mais curioso ainda me aproximei do andarilho que, sem que eu lhe perguntasse absolutamente nada, foi me dizendo: “A vida é mesmo assim! Muita gente me dá esmolas, é justo que eu também as reparta com aquele que necessita”.
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Sem conseguir dizer uma só palavra ante o gesto fraternal do jovem andarilho cantor, o que consegui fazer foi tirar do bolso uma nota e lhe oferecer, não como esmola, mas por gratidão pelo quanto me fez ouvir e ver. Em seguida o andarilho cantor me agradeceu com um aceno simples e partiu na direção do antigo Mercado do Largo da Penha.
Dona Angelina, sorridente e feliz pela quantia que lhe foi dada, seguiu examinando detidamente as placas dos carros, certamente ansiosa por fazer mais uma aposta no jogo do bicho.
Eu voltei para a minha sala de trabalho e me recordei da frase que existia em uma das paredes da Faculdade de Direito de Itu, atribuída, não me lembro bem, se ao Dr. Goffredo da Silva Telles Júnior ou ao então Ministro da Educação Cel. Jarbas Passarinho: “Uma Escola de Direito é uma Escola de Vida”! Refleti muito sobre o profundo significado dessa frase, pois às portas de um Escritório de Advocacia eu havia acabado de presenciar uma das mais belas e emocionantes lições de vida! Foi um dia na história passada / Desta gente que alegre se diz / As Monções que daqui partiram / Encheram de glórias o Porto Feliz!
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