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Cotidiano
Eles dizem que não conseguem dormir e que pretendem se mudar da comunidade
26/05/2022 às 09:42 atualizado em 26/05/2022 às 16:08
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Comunidade no Rio de Janeiro | Valter Campanato/Agência Brasil
As estradas que levam à Terra Prometida são tortuosas e têm capsulas de fuzil. São pelo menos sete delas em uma das vias. Ao chegar ao topo do morro, é possível encontrar uma casa crivada de tiros.
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Os disparos atravessaram uma caixa d'água, perfuraram a parede de madeira e atingiram uma pequena geladeira. A porta do eletrodoméstico está perfurada e, em frente dele, o fragmento de um projétil repousa no chão.
Era esse o cenário na Vila Cruzeiro um dia após a comunidade ter sido alvo da segunda operação policial mais letal da história do Rio. Pelo menos 25 pessoas perderam a vida durante a ação realizada pela Polícia Militar em conjunto com a Polícia Rodoviária Federal.
O confronto se concentrou principalmente na parte alta da comunidade, na localidade conhecida como Terra Prometida. É uma região marcada pela vulnerabilidade social, onde as casas são feitas de madeira.
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A moradora de uma delas diz que dormia com o marido e a filha pequena quando, por volta das 3h30, a casa começou a ser metralhada por policiais militares.
"A gente se jogou da cama para o chão e começou a gritar, dizendo que na casa tinha morador, que a gente era trabalhador. Mas eles disseram: 'morador é o caralho' e continuaram atirando", diz Ana, acrescentando que mora na região há três anos e que nunca tinha visto algo parecido.
Os moradores que conversaram com a Folha se disseram assustados e pediram para ter as identidades preservadas. Por isso, todos os nomes foram trocados.
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Ana diz que ficou cerca de uma hora no chão tentando se proteger dos disparos. Ela conta que, após esse período, quatro policiais militares teriam invadido a casa; um deles era chamado de "Orelha" pelos colegas de farda. "Disseram para esse 'Orelha' que tinha gente escondida lá atrás, nos fundos da casa. Eles foram pra lá e mataram o cara a facadas."
A casa de dois cômodos -um banheiro e um quarto- ainda preserva evidências da operação desta terça. Nos fundos do imóvel de madeira, era possível ver sangue no chão. "Meu marido limpou uma parte, porque começou a dar mosca."
Em frente à geladeira perfurada havia o fragmento de um projétil que por pouco não atingiu a moradora. Ela diz que dormia junto com o marido em uma cama de casal ao lado da geladeira.
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"Se eu morresse, a gente não teria nem dinheiro para pagar o enterro", afirma ela, que é diarista e ganha R$ 700. Para complementar a renda, vende picolés, atividade que precisou interromper. A geladeira deixou de funcionar após ter sido perfurada na operação.
Grávida de três meses, ela diz que pretende se mudar por causa da violência. "Estou desde terça-feira sem conseguir dormir. Eu não tenho paz. Me expulsaram do meu barraco."
O medo é compartilhado por Cláudia, que também tem uma casa na Terra Prometida. A moradora diz estar traumatizada e evita ficar no imóvel, que, segundo ela, foi sido invadido por PMs. "Na favela não tem só bandido. Também tem morador de bem."
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A Folha de S.Paulo entrou em contato com a Polícia Militar para falar sobre as denúncias de violações, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Ainda na terça, a operação virou alvo de investigação no Ministério Público Federal e estadual para apurar eventuais violações de direitos.
Indignação no IML
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Já no Instituto Médico-Legal (IML), o clima nesta quarta (25) era de revolta e consternação entre parentes e amigos das vítimas. Durante a manhã, dezenas de familiares chegaram ao prédio para reconhecer os corpos dos mortos na operação.
Após identificar o corpo do parente, a irmã de Izaías Victor, de 22 anos, deixou o prédio chorando e gritando. Ela teve que ser amparada por amigos que a acompanhavam e optou por não se identificar.
"Acabaram com o rosto do meu irmão. Dói na alma, eu preciso chorar. Ele era muito bonito. Ai, me ajuda senhor, passa logo", gritava a irmã do jovem assassinado.
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Uma amiga da família de Izaías, que pediu para ser identificada apenas como Fabiana, contou que o jovem havia sido baleado na perna no início da operação, quando fugiu em direção à mata na companhia de um amigo.
De acordo com ela, Izaías não estava armado. Após saber que o jovem havia sido alvejado pela PM, Fabiana e parentes foram em busca do rapaz, prestaram socorro e levaram o corpo, já sem vida, para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, zona norte do Rio.
"Ele tomou um tiro na perna e ficou escondido no meio do mato. Ele queria se entregar, mas os policiais o encontraram e deram um tiro na cara dele", relatou Fabiana.
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