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A história real do boxeador que enfrentou nazistas em Auschwitz

A trajetória de Tadeusz Pietrzykowski, o "Prisioneiro 77", mostra como o boxe virou arma de sobrevivência e símbolo de resistência em meio ao horror do Holocausto

Raphael Miras

05/12/2025 às 17:15

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Tadeusz Pietrzykowski nasceu em 8 de abril de 1917, em Varsóvia.

Tadeusz Pietrzykowski nasceu em 8 de abril de 1917, em Varsóvia. | Wikimedia Commons

Em meio à fumaça dos crematórios, aos gritos em línguas diferentes e ao frio cortante do sul da Polônia, um rapaz de pouco mais de 40 quilos subia em um ringue improvisado tendo como prêmio um pedaço de pão.

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Se perdesse, poderia ser espancado até a morte. Se vencesse, ganhava algumas calorias e, sobretudo, um motivo a mais para insistir em continuar vivo.

Esse homem era Tadeusz “Teddy” Pietrzykowski, o “Prisioneiro 77” de Auschwitz — um boxeador polonês que transformou o esporte em arma de sobrevivência e símbolo de resistência em um dos lugares mais brutais da história.

O peso do Holocausto

Entre 1939 e 1945, a Europa mergulhou no que seria o período mais sombrio do século 20. A Segunda Guerra Mundial não significou apenas batalhas em frentes de combate: junto com o avanço militar, os nazistas espalharam o terror do regime totalitário e a perseguição sistemática de milhões de pessoas.

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O Holocausto foi o projeto de extermínio que teve os judeus como alvo principal. Conforme a Enciclopédia do Holocausto, ao menos seis milhões de judeus foram assassinados — homens, mulheres e crianças — em um genocídio que também atingiu outras minorias, como ciganos, pessoas com deficiência, homossexuais e opositores políticos.

Nas bordas desse sistema de morte, ficavam os campos de concentração e extermínio. Um dos mais conhecidos, Auschwitz, na Polônia ocupada, recebeu mais de 1,1 milhão de judeus, além de prisioneiros de outras origens.

Foi ali que o jovem atleta polonês, marcado apenas por um número, precisou reaprender o significado da palavra “luta”.

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Um talento esportivo freado pela guerra

Tadeusz Pietrzykowski nasceu em 8 de abril de 1917, em Varsóvia. Ainda criança, atravessou o fim da Primeira Guerra Mundial sem ter idade para entender o conflito. Na juventude, porém, descobriu uma vocação mais leve: o esporte.

Primeiro veio o futebol. Depois, o boxe passou a ocupar cada vez mais espaço na sua rotina. Ele treinava com Feliks Stamm, técnico que formaria gerações de boxeadores poloneses. Magro e sem o porte de um peso pesado, Teddy se destacava pela técnica, velocidade e disciplina nos treinos.

Na virada dos anos 1930, já era visto como um nome promissor na sua categoria. Em 1939, quando a Alemanha nazista invadiu a Polônia e deu início à guerra no front europeu, a carreira que parecia deslanchar foi abruptamente interrompida. Ao invés de trocar golpes em um ringue, Pietrzykowski passou a segurar armas.

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Ele se alistou em um regimento de artilharia leve e participou da defesa de Varsóvia. Com a queda da capital, tentou fugir para a França para se juntar às tropas polonesas que se reorganizavam sob o comando do general Władysław Sikorski.

Nunca chegou ao destino: foi preso pela Gestapo na fronteira entre Hungria e Iugoslávia. Tinha 23 anos quando foi deportado para o recém-criado campo de concentração de Auschwitz, onde recebeu a marca que o identificaria dali em diante: o número 77.

O primeiro combate por um pedaço de pão

No início da prisão, Pietrzykowski foi designado para trabalhar em uma carpintaria. O serviço era exaustivo, mas ele conseguia suportar graças à boa forma física construída nos anos de treino. Em um domingo de 1941, porém, o acaso colocou diante dele outra espécie de luta.

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Ele percebeu uma aglomeração perto das cozinhas do campo. Um prisioneiro correu na sua direção com uma proposta que soaria absurda em qualquer outro lugar, mas fazia todo sentido em Auschwitz: se quisesse um pedaço de pão, precisaria aceitar lutar boxe com um alemão.

Teddy pesava apenas 42 quilos. Ao vê-lo, a multidão riu: magro, com o corpo enfraquecido pela fome, parecia não ter chance diante do adversário. Do outro lado estava Walter Düning, um kapo alemão — prisioneiro com privilégios, responsável por supervisionar outros detentos — que havia sido boxeador de sucesso antes da guerra.

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A luta começou sem ringue oficial, sem luvas de verdade, sem regras claras. Düning usava luvas improvisadas, do tipo usadas para aquecer as mãos no trabalho. Humanamente, a balança pendia para o lado do alemão. Tecnicamente, porém, Pietrzykowski ainda trazia na memória cada movimento treinado anos antes. Ele dançou em volta do rival, desviou de golpes, respondeu com precisão. Contra todas as expectativas, venceu.

De carpinteiro a tratador de animais

Aquela vitória mudou o destino do Prisioneiro 77. Düning, percebendo a superioridade técnica do polonês, perguntou em qual equipe ele gostaria de trabalhar. Teddy pensou rápido e escolheu o comando de tratadores de animais, o “Tierpfleger”. Sabia que, ali, talvez sobrassem restos de comida — bagaço, nabo, cenouras — que poderiam significar alguns dias a mais de vida.

O boxe, então, deixou de ser apenas lembrança da juventude para se tornar estratégia de sobrevivência. A fama de lutador se espalhou pelo campo. Guardas passaram a organizar combates, apostando nos resultados como forma de entretenimento cruel. Às vezes, os adversários eram próprios nazistas; em outras, companheiros de prisão obrigados a subir ao ringue.

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Cada vitória rendia uma recompensa: um pouco mais de comida, um olhar menos violento, um trabalho menos mortal. Em Auschwitz, detalhes como esses faziam diferença entre resistir ou sucumbir.

Estima-se que Pietrzykowski tenha disputado entre 40 e 60 lutas no campo, perdendo apenas uma. Para quem assistia de longe, cada golpe certeiro no queixo de um kapo ou guarda parecia um pequeno ajuste de contas com o sistema que os esmagava diariamente.

Um símbolo para quem não podia reagir

As lutas não apagavam a brutalidade diária, mas ofereciam algo raro em Auschwitz: a sensação de que, por alguns minutos, era possível enfrentar um representante do regime em condições minimamente equilibradas.

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O “Prisioneiro 77” virou referência entre os detentos. Quando vencia, dividia parte do alimento que recebia com outros prisioneiros, reforçando o sentido coletivo da sua resistência. Em um lugar criado para desumanizar, cada gesto de solidariedade ajudava a conservar um traço de dignidade.

Seu papel, porém, não se resumiu ao boxe. Pietrzykowski também se envolveu com a resistência organizada dentro do campo. Ele colaborou com Witold Pilecki, o polonês que se infiltrou voluntariamente em Auschwitz para documentar os crimes nazistas e enviar informações ao mundo exterior.

Teddy participou de ações de sabotagem, como a tentativa de assassinato do comandante Rudolf Höss ao afrouxar a sela de seu cavalo — o que resultou em uma queda que quebrou a perna do oficial. Também matou o cão de Höss, treinado para atacar prisioneiros. Eram pequenos atos, mas que mostravam que, mesmo sob vigilância constante, ainda havia espaços para algum tipo de reação.

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De Auschwitz a Bergen-Belsen

Em 1943, após anos de violência e combates forçados, Pietrzykowski foi transferido para o campo de Neuengamme, perto de Hamburgo, na Alemanha. As condições continuavam desumanas, mas o padrão se repetiu: guardas passaram a organizar lutas de boxe, e ele voltou a usar o esporte como proteção. Estima-se que tenha participado de cerca de 20 combates no local.

Algum tempo depois, foi enviado para Bergen-Belsen, onde a situação beirava o colapso total. Com o avanço das tropas aliadas, o campo se transformou em um depósito de prisioneiros, com fome extrema, doenças e valas comuns se multiplicando. Mesmo ali, entre corpos e epidemias, Teddy sobreviveu até a libertação, em abril de 1945.

Uma vida reconstruída, longe dos holofotes

Com o fim da guerra, Pietrzykowski retornou à Polônia. O corpo marcado pela subnutrição, pelos trabalhos forçados e pelos traumas tornava impossível retomar a carreira de atleta nos mesmos patamares de antes. O boxeador promissor de 1939 havia se tornado um sobrevivente de campo de concentração — outra espécie de marca que não desaparece.

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Ele, no entanto, não se afastou do esporte. Tornou-se treinador de boxe e professor de educação física, ajudando a formar novas gerações de atletas em tempos mais pacíficos do que aqueles que o moldaram. Nos ginásios, com os alunos, levava consigo uma história que, muitas vezes, não aparecia nas estatísticas das lutas, mas que permanece como um lembrete poderoso da capacidade humana de resistir.

Tadeusz Pietrzykowski morreu em 17 de abril de 1991, na cidade de Bielsko-Biała, aos 74 anos. Décadas depois de ter lutado por um pedaço de pão diante de multidões famintas, sua trajetória segue ecoando como um capítulo singular dentro da tragédia do Holocausto: a história de um homem que, num cenário pensado para exterminar corpos e apagar identidades, usou o boxe para manter-se vivo e, de alguma forma, continuar de pé diante do horror.

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